in loco - festival de brasília 2007
Candangando: notas de um festival
por Cléber Eduardo

Quarto Dia

Bressanianas

- É só começar o filme de Julio Bressane que alguns espectadores tossem.

- Bressane solicitou, como sempre, paciência antes da sessão. “É preciso ser tolerante para gostar de algo”. No debate sobre o filme, reagindo à vaia de parte da platéia e a uma recusa ao filme por parte de um jornalista, o diretor desenvolveu. “Existe uma boçalização sistemática no cinema brasileiro nos últimos 40 anos, o que faz com um filme destes seja de exceção. O fato dele existir é da ordem da fenomenologia do milagre. Peço paciência de joelhos aos espectadores, mas tenho de ter paciência maior. O cinema tem uma exigência a ser cumprida, mas não se pode cumprir a exigência”, disse.

- “Imbelicidade é triste, mas a idiotice é natural” (Julio Bressane)

- Poucas vezes um filme de Bressane foi tão aplaudido no Festival de Brasília. Nem as vaias comedidas em pontos da sala esvaziaram a impressão positiva manifestada pelos aplausos persistentes. Quem vaiava O Mandarim, hoje, anos e mais Bressanes depois, pode estar aplaudindo. Isso é cultura cinematográfica.

Terceiro Dia

Como não é um "crítico credenciado", mas sim um "curador", Cléber está com acesso limitado aos computadores da sala de imprensa do Festival, e por isso não pôde mandar sua atualização da coluna deste dia.

Segundo Dia

- Um festival são seus filmes e seu ritual. No mais bonito e emocionante momento, a diretora do curta Espalhadas pelo Ar, Vera Egito, em sua estréia na direção e em festivais, desabou em cima do palco. Diante de uma sala entupida de espectadores, não conteve as lágrimas ao afirmar: “Nunca vou esquecer esse momento”. A platéia reagiu com calorosos aplausos. E aplaudiu ainda mais ao fim do filme. Pela reação, surge um primeiro candidato ao prêmio de júri popular

- Formado na FAAP, Diego Gozze, diretor de Um Ridículo em Amsterdã, foi montador de 33 e Atos dos Homens, ambos de Kiko Goifman - que, por coincidência ou mútua influência, também está questionando neste momento procedimentos do documentários, éticos sobretudo, por meio de uma ficção, naquele que será seu próximo longa, já filmado.

- Daniel Bandeira dedica Amigos de Risco à sua mãe nas cartelas finais. Explicou depois no debate sobre o filme a razão da homenagem: sem sistema de produção, só a mãe para sustentar suas convicções artísticas

- Uma jornalista reclamou de um ritmo arrastado na segunda metade de Amigos de Risco. De fato, o filme mostra dois amigos arrastando um terceiro pelas ruas do Recife. Se o filme se arrasta, parece coerente com os personagens. A reação não deixa, porém, de ser sintomática. É comum em debates do gênero ouvir reclamações pautadas pela diferença entre o sofrimento dos personagens e a alergia do espectador em sofrer durante uma sessão. Alguém pode me dizer onde se combinou que o cinema tenha de ser prazeroso?

Primeiro Dia

- Os primeiros comentários nos corredores do Hotel Nacional são sobre a superioridade paulista em número de competidores nos curtas em 35mm. O que isso pode significar? Efeito dos prêmios estímulos? Consequências das práticas em set de estudantes de cinema? Ou só acaso, misturado a, digamos, recorte da seleção? Esperemos encontrar um conjunto superior ao do ano passado.

- Tanto o festival quanto os jornalistas presentes em suas edições tendem a tratar a programação como parte de um projeto político de cinema ou de um cinema como produto e ferramento da política. Passando pelo olho pela programação, sobretudo de debates, não se vê essa politização toda. No primeiro dia de seminário, sobre Film Comissions, discutiu-se parcerias internacionais, tendo, como ponto de partida, a utilização de cenários e mão de obra do Brasil para filmes de fora. Seria essa a noção de política. Esperemos que a política, ao menos, esteja na estética, como estava em Baixio das Bestas em 2006 – goste-se ou não do filme, porque, como nos lembra sempre Ismail Xavier em seu método de análise imanente, a política em cinema e o cinema político é produzido nas operações e articulações de linguagem, não fora da tela.

- Muitos améns a Paulo Emilio Salles Gomes nos textos de cobertura. Como o evento chega a 40ª edição, o crítico, um de seus mentores, é figura lembrada em um seminário (ministrado pelo jornalista Marcelo Lyra), assim como em um debate. Fala-se muito na politização de Paulo Emilio, em sua militância, mas, quando escrevia sobre filmes, ele escrevia sobre os filmes, sobre suas especificidades de realização e sobra questões de cinema surgidas dai, sem falar desses filmes como reflexo ou como sintoma. Sua crítica de Bang Bang, por exemplo, trata somente da linguagem, sem nenhum comentário extra-fílmico.

Novembro de 2007

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