in loco - cobertura dos festivais
Dublê do Diabo (Devil's Double),
de Lee Tamahori (Bélgica/Holanda, 2011)

por Fabian Cantieri

Indecisão

Em tempos de aclamações e comemorações pela morte de ditadores, Saddam Hussein, entre Osamas e Khadafis, foi o único a ser “agraciado” com o peso da justiça, condenado (justa ou injustamente) por um tribunal nacional por crimes contra a humanidade. Pois Dublê do Diabo consegue transformar a persona de Saddam quase num pai justo de tão vil que é o seu filho. Mas dessa malvadeza durona, não parte nenhuma empreitada rumo à sua essência.

Seu torpor se esquiva, escamoteado para o gênero de ação, onde adentramos, entre muitas subderivações, no clássico tema hitchcockiano do duplo. Ao destrinchar a vida de Uday Hussein (Dominic Cooper), gênio do mal (mais pra mau genioso), Lee Tamahori se aparta de qualquer complexo fenomenológico para se aproximar ao terreno do mito: não há ditador com seu estatuto, somente sua lenda. Assim, Latif Yahia (Dominic Cooper) é incumbido (senão morre e morre a família) de incorporar esse mito, onde a ética se dilui no sacrifício do convívio mútuo. Como corroborar ou quebrar o mito? Isso aos poucos vai importando menos, ao passo em que a paixão aflora junto à percepção do cerco sem saída – outro clássico mote de ação (inclusive, após Raul Arthuso me lembrar que Tamahori fez há alguns anos um 007, tudo fez mais sentido).

A uma certa altura, quando nem mesmo os insidiosos discursos políticos são contundentes pra qualquer lado, os eixos vão se clareando e o que fica é um parti-pris aventuroso que nunca é plenamente alcançado. O ímpeto da fuga de Latif e seus desdobramentos, enfim, denunciam a preferência diante dos muitos lugares pretendidos pelo filme: entre a banalidade do mal, a guerra do Golfo e o desenvolvimento do duplo, existe um gosto mais profundo pelas vicissitudes do cotidiano maligno de Uday e seu conseqüente embate com Latif (uma luta entre dois lados de uma vigorosa atuação por Dominic Coopoer). A montagem da tentativa do assassinato de Uday nos faz ter uma vontade em troca: a de um anúncio frontal, como nas velhas estórias de James Bond.

Outubro de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta