O
Desinformante! (The Informant!), de Steven Soderbergh (EUA, 2009) por
Fábio Andrade A
verdade da mentira
É fato consumado que
Steven Soderbergh é dono de uma das carreiras mais disléxicas do cinema contemporâneo.
Sem qualquer constrangimento, o diretor transita entre projetos de extrema ambição
(Traffic, Che), para filmes "de arte" em tom menor (Sexo,
Mentiras e Videotape, Full Frontal) e exercícios de gênero sem qualquer pudor
metalinguístico (a série 11, 12 e 13 Homens...). No último ano,
se Soderbergh já havia passado pelas duas pernas mais "sofisticadas"
de seu cinema, O Desinformante! fecha essa jornada panorâmica reinstalando
o diretor, confortavelmente, na abordagem que melhor lhe cabe: a franca vagabundagem.
Aqui, Soderbergh revive um tipo de cinema um bocado esquecido – aquele parente
próximo da lounge art que era melhor praticado no cinema norte-americano
por Blake Edwards, e que tem um isolado caso brasileiro em Cassy Jones, o Magnífico
Sedutor, de Luís Sérgio Person. Não há, porém, qualquer
margem para o risco histérico; Steve Soderbergh se interessa, sobretudo, pelo
charme retrô do gênero, ainda melhor revisitado por Steven Spielberg em Prenda-me
Se For Capaz. Estão de volta as trilhas de big band inspiradas em Henry
Mancini, a agilidade do texto e as ambientações levemente estilizadas, que aqui
se tornam mais delicadas por se tratar de um filme de época, mas de época
extremamente recente. A
empolgação do diretor diante disso tudo faz de O Desinformante! um filme
bastante prazeroso de se ver, pois a fluidez da encenação motiva um envolvimento
que, por vezes, só o excesso de descolamento do voice over parece abalar.
Ainda que imperfeito – como todos os bons filmes de Soderbergh – O Desinformante!
interessa por propiciar, ao diretor, retomar uma de suas mais potentes características:
o gosto pela farsa. Tal como 12 Homens e Um Outro Segredo, que talvez ainda
seja seu melhor filme, O Desinformante! parte de uma inversão completa
na representação de papéis sociais – como a personagem de Julia Roberts tentava
se passar por Julia Roberts, em uma sequência do filme de 2004. Esse jogo fica
claro tanto pela troça constante com o filme de Michael Mann (que o título em
português indica com alguma propriedade), como pela maneira como o diretor representa
essas inversões pela manipulação de elementos da construção cinematográfica. Pois,
nos erros e nos acertos, o cinema de Steve Soderbergh – não só diretor, mas também
fotógrafo – sempre tentou buscar equivalentes estéticos para as inquietações motoras
de cada um de seus filmes. Mesmo quando o resultado é hediondo – como o contraste
de azuis e amarelos em Traffic; ou o uso banal do vídeo em Full Frontal
– é fácil reconhecer a intenção do diretor de contaminar fisicamente a imagem
com aquilo que ele filma. Aqui, Soderbergh tem uma solução bastante intrigante:
mesmo nas situações de interior, o diretor usa filmes balanceados para luz do
sol. Assim como a personagem de Matt Damon se livra entortando
as palavras, Soderbergh cria sua mais efetiva solução visual trapaceando a câmera.
É uma idéia bastante simples, pois transporta literalmente a inversão constante
da trama para o uso da película. Os resultados, porém, são expressivos, pois o
calor da coloração âmbar dá ao ambiente corporativo um constante desequilíbrio
interno, produzindo uma sensação de claustrofóbico descompasso que não é interna
à cena, mas sim à câmera. É uma maneira de Soderbergh separar aqueles ambientes
em uma lógica própria, inversa à do mundo natural (a luz do sol que predomina
nos lugares onde se está mais livre das convenções sociais), que garante a adesão
do espectador ao pilantra simpático encarnado por Matt Damon. É justamente em
filmes de vento, como esse, que o melhor de Soderbergh aparece, pois suas pretensões
são mais proporcionais ao seu jogo de cinema. Em sua corrente de mentiras, O
Desinformante! é um exemplo menor, mas bastante engajador, do cinema descartável
e, ironicamente, mais memorável de Steve Soderbergh. Setembro
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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