Uma Noite Fora de Série (Date Night),
de Shawn Levy (EUA, 2010)

por Fábio Andrade

Em descompasso

É impossível ignorar o oportunismo de um filme como Uma Noite Fora de Série – algo que a tradução nada literal do título para português espertamente chama atenção. Afinal, toda sua motivação está ali, cristalina: escalar dois dos mais populares atores das séries de televisão de comédia norte-americanas no momento como um casal de protagonistas. Poucos levarão em consideração a aguada carreira de direção de Shawn Levy, ou a sub-aproveitada presença de coadjuvantes nada desprezíveis (James Franco e Mark Whalberg, por exemplo). Menos ainda buscarão qualquer refresco no roteiro de Josh Klausner, que chafurda na obviedade mesmo quando ainda nada sabemos da trama. Qualquer espectador que vai ao cinema com a intenção de assistir a Date Night estará lá, certa e unicamente, pela presença de Steve Carell e Tina Fey. Afinal, são dois dos atores/autores mais interessantes do rico panorama atual da comédia norte-americana, muitas vezes capazes de revigorar material anêmico com o gosto pela improvisação e a precisão do timing na contracenação.

Date Night, porém, torna esse trabalho quase impossível. Pois se há um gênero que, quando mal realizado, está facilmente sujeito à datação imediata, este gênero é a comédia. A atenção que o projeto demonstra na percepção de momento do mercado está, porém, completamente ausente da direção de Shawn Levy. O diretor parece ignorar por completo o apuro de ritmo e a crescente inquietação (mesmo que nem sempre bem sucedida) nas escolhas temáticas e de criação de universos presente no melhor da comédia recente. Para além do ritmo atravancado e de uma abordagem criminosamente tediosa de decupagem e encenação, Date Night sofre de um gravíssimo problema de atualidade, acabando por demais parecido com uma comédia ruim do começo da década de 1990 – e aqui é preciso destacar exceção para a vigorosa sequência da perseguição de carros. Mesmo com sua curta duração, Date Night passa absolutamente inconsciente de seus problemas, de sua paquidérmica falta de graça. 

Mas Date Night existe, idealmente, para Steve Carell e Tina Fey, e, se há algum interesse possível a se extrair para além de poucas gags isoladas, ele está justamente em observar a maneira como os dois atores parecem aos poucos perceber a roubada em que se meteram – o que promove até uma acidental metalinguagem ao filme, na paridade com a trajetória das personagens. Há, no ridículo das performances, um clima de deboche latente que parece negar conivência com aquele anacronismo desavisado, aquela preguiça geral e ostensiva. Como toda a estrutura está programada para funcionar contra, talvez a única dignidade possível esteja em sabotá-la. Date Night só ganha algum interesse com esse distanciamento, como registro da afirmação de presente sobre um conforto natimorto. Em um gênero onde cada grande realização parece marcada pela consciência aguda de sua posição na história, o fracasso de Date Night acaba fazendo dele um documento exemplar.

Maio de 2010

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