in loco - cobertura dos festivais
Dark
Horse, de Todd Solondz (EUA,
2011)
por Thiago Brito
Claro
Abe (Jordan Gelber) é um homem de seus trinta e tantos
anos, mimado, egocêntrico, ridículo. Mora com os
pais, trabalha para seu pai, não possui amizades ou afinidades
com qualquer outro ser humano exceto Miranda (Selma Blair), uma
mulher depressiva, portadora de Hepatite B, que, perdendo toda
esperança em sua vida, decide selar completamente suas
perspectivas de mudanças e melhoras (em suas próprias
palavras) ao aceitar se casar com Abe. Com um enredo desta natureza,
Todd Solondz constrói seu Dark Horse como uma
comédia negra sem comédia: estruturado a partir
de uma noção próxima a um pesadelo, em que
circulamos continuamente em torno de um problema que só
faz desdobrar-se, sem encontrar uma linha tangencial que nos leve
a outro patamar ou problema, Dark Horse iguala-se a uma
angústia que não possui outro expediente a não
ser consumir-se inteiramente.
A caracterização de Abe nos leva, rapidamente, a
intuir que, dos problemas que possam existir em sua vida, o maior
de todos será sempre ele mesmo. De um lado, é um
homem que nega sua própria frustração, projetando
em seus familiares todas as suas falhas. Abe sente-se profundamente
ridicularizado por seu pai, que considera um tirano que nunca
o amou de verdade. Ao mesmo tempo, vê em seu irmão,
Richard (Justin Barth) - o que conseguiu se dar bem na família
- um usurpador de seu trono e destino (Dark Horse significa
cavalo azarão, que era o apelido de Abe na infância).
Mas Solondz nos desloca sensivelmente perante o drama. Em vez
de construir a relação entre Abe e seu pai, denotando-nos,
de fato, esta suposta relação tirânica, Solondz
elimina o processo e nos dá apenas o seu resultado. E mesmo
ele vem de forma extremamente enviesada: os acessos de Abe com
relação às atitudes de seu pai nos são
apresentados de maneira exagerada; ainda, quando seu irmão
Richard liga preocupado e perguntando se Abe precisa de dinheiro,
ele responde de maneira absolutamente radical, em tom de brigas
e ameaças. Assim, ação e reação
parecem não se encaixar, já que, de uma atitude
aparentemente benevolente de seus parentes, Abe responde com ojeriza
e um quê de auto-piedade.
Esta
vontade de nos colocar como se pegássemos "o bonde
andando" cria um certo distanciamento com relação
ao personagem que se harmoniza com o afastamento geral com que
Solondz controla sua narrativa. Apesar das reações
afetadas de Abe, o diretor filma todas as situações
sem vontade de extrair graça delas, com uma seriedade declarada,
como se quisesse impossibilitar, pelo menos em parte, a possibilidade
do riso. Os exageros, aqui, trabalham para a seriedade, como uma
forma de condicionar um tipo de olhar. Solondz, embora saiba do
possível ridículo que exista em seu personagem principal
- ou mesmo aproveitando-a - nos coloca na difícil tarefa
de aceitar um caminho que de início percebemos onde dará:
como Abe se nega a todas as possíveis mudanças,
e se mostra claramente indisposto a pensar que exista um problema
a ser resolvido, o filme envereda radicalmente por uma rua sem
saída.
No
entanto, existe a reviravolta. Aos poucos, percebemos que Abe
não era um inteiro maluco. Afinal, após seu acidente,
vemos como de fato seu pai possui pouco carinho em relação
a ele, e como seu irmão é um cafajeste que, aproveitando
o coma de Abe, aproxima-se de Miranda. Então, sua família
era terrível! Estávamos, pois, errados
em julgar Abe? A
triste nota vem da fala de Miranda, diante de Abe, no hospital:
"Eu sabia que não gostava de você, que não
tínhamos nada em comum, mas o que eu não esperava
era me importar". É nesse exato momento que toda a
falsidade perde seu efeito. Afinal, de um filme que buscava não
dizer nada, por causa de um personagem que se nega a ver
alguma coisa, temos um filme que, na verdade, tem algo a dizer,
mas precisa que aceitemos suas premissas e, ainda por cima, engulamos
suas conclusões.
Se a questão é quebrar a "letargia" existente
dentro de uma sociedade norte-americana pautada pelo consumismo
e pela ideologia da competitividade – Richard é o
Dark Horse porque se deu bem na vida; Abe é a
ovelha negra por que nunca conseguiu sair da casa dos pais –
então o filme de Solondz se mostra extremamente moralizante.
Afinal, não é Abe que vê, não
é Abe que "descobre" a realidade. Existe um momento
em que Solondz abandona seu projeto e seu personagem. É
o momento em que precisa fazer com que nós vejamos, em
que precisa nos ensinar e mostrar a falsidade. É Miranda
falando, e seu pai errando a data de sua morte ao inscrevê-la
na lápide: "Ninguém vai se preocupar com isso".
No fim, o filme trabalha a partir de uma lógica reversa
um tanto presunçosa: aguarde que em breve eu mostro como
as coisas realmente são.
Novembro de 2011
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