in loco
Inéditos para quem, inéditos
para quê?
por Cléber Eduardo e Eduardo Valente
O diretor mineiro Helvécio Marins Jr, ganhador
da competição de curtas em Brasília com Trecho, levantou
a bola em um debate: por que razão, na seleção de curtas, ineditismo
é critério? Levamos a questão ao diretor do Festival, Fernando
Adolfo, que nos enviou a seguinte resposta: “O ineditismo é de
suma importância, no sentido de fortalecer o mais tradicional
dos festivais brasileiros. O Festival de Brasília, que acontece
sempre na última semana de novembro, encerra um ciclo de mais
de cem mostras e festivais realizados no país, e sem esse critério,
adotado pela Comissão Organizadora, poderíamos apresentar ao público
e também aos profissionais da imprensa, filmes já exibidos em
vários eventos do gênero.”
Se podemos entender essa exigência entre os longas,
tendo-se em vista a ocupação de espaço midiático buscado pelo
festival para se legitimar como plataforma de lançamentos, ela
é no mínimo questionável entre os curtas – inclusive, e principalmente,
porque os longas serão depois (em sua maioria, pelo menos) exibidos
comercialmente em Brasília, enquanto para muitos dos curtas brasileiros
esta é a única chance de serem mostrados ao público da capital.
Além disso, os curtas, como sabe quem acompanha as coberturas
na imprensa, não ganham espaço na grande mídia – ou, na melhor
das hipóteses, ocupam o rodapé dos textos. Ou seja: tanto espectadores
como profissionais da imprensa, em sua imensa maioria, não conhecem
aqueles filmes – sejam eles inéditos ou não.
Pode-se alegar em defesa do ineditismo que, optando
por essa exigência, Brasília valorizaria sua seleção como faz
com os longas. No entanto, isso só aconteceria se os diretores
de curtas deixassem de inscrever seus filmes em Gramado ou no
Festival Internacional de Curtas de São Paulo, outros dois eventos
fortes em estréias, para segurarem seus trabalhos até novembro
e estarem aptos para a seleção em Brasília. No entanto, se não
chega a ser prejuízo grande abrir mão de Gramado, inscrever em
São Paulo, ainda mais no começo do percurso de um filme, é uma
escolha estratégica para os curta-metragistas. Afinal, além de
ser um evento todo voltado para os curtas, oferecendo um vasto
painel da produção do ano, o festival de São Paulo conta com olheiros
internacionais de festivais do exterior, que pinçam sempre alguns
dos filmes por lá. É no mínimo uma crueldade pedir que um realizador
de curta, categoria com já tão poucas oportunidades, precise deixar
passar este Festival para poder ser exibido em Brasília.
A questão seguinte é que, com o ineditismo alçado
a condição de critério de eliminação, a qualidade dos selecionados,
como se viu esse ano (e no anterior, a julgar pelos relatos),
ganha teto muito baixo. Sobre isso, afirma Fernando Adolfo: “pretendemos
manter esse critério, desde que a qualidade se sobreponha ao critério”.
Pois a nosso ver, esta hora já passou: pelo menos metade dos trabalhos
selecionados este ano está no limite da recusa em qualquer seleção
pautada pelo rigor crítico – e, para preencher buracos ou dar
uma força à cidade, escalou-se um número excessivos de obras locais
para tornar a festa mais ruidosa: foram quatro (entre 12), e com
exceção de Dia de Folga, de André Carvalheira, os demais
foram forçadas de barra. Não será nenhuma surpresa, portanto,
se alguns dos filmes exibidos em Brasília ficarem de fora de outras
seleções com quantidade até mais numerosa de escolhidos ao longo
de 2007. Como resultado, os espectadores da cidade (e de um dos
principais festivais do país) são impedidos de ver o melhor da
produção de curtas na temporada.
Fato é que, justificativas e estratégias à parte,
Brasília teria outras opções, como manter sua competição apenas
de inéditos (com os altos prêmios em dinheiro como atrativo),
mas criar uma mostra informativa à parte, onde alguns dos principais
curtas do ano fossem exibidos para a platéia do Festival – um
Festival dos Festivais, para fechar o ano. Assim a coisa pareceria,
no mínimo, mais justa: para o realizador, porque se optar por
abrir mão de altos prêmios, ainda poderia ser visto; e para o
público, que não fica privado de trabalhos capitais no cinema
brasileiro recente. Mas, se o Festival ainda insistir em fazer
ouvidos moucos para estes argumentos de difícil contraposição,
fica pelo menos um apelo: que haja clareza na ficha de inscrição
do Festival, onde ainda se cita o ineditismo como preferência
e não como obrigação (como Fernando Adolfo fez questão de ressaltar
em sua carta). No entanto, relatos das comissões de seleção dos
anos recentes indicam que os não-inéditos sequer foram avaliados.
Afinal, se é para não ver os filmes, pelo menos não façam com
que os realizadores sejam onerados com cópias e envio de filmes
para uma seleção onde estão eliminados antes mesmo de serem vistos.
Para finalizar, fica a pergunta: e onde ficam
os vídeos? Não ficam. Brasília está atrás de muitos festivais,
incluindo alguns menores (mas nunca inexpressivos), como os de
Vitória e Tiradentes, que tem sessões especiais de trabalhos realizados/finalizados
longe da película. Com sua insistência na película, Brasília corre
o risco de ficar gagá rapidamente. Tudo bem que o grosso desta
produção no suporte, que chega a totalizar mais de 500 inscritos
nesses festivais, é composto de materiais francamente medíocres.
Mas rigor de seleção existe, justamente, para separar o joio do
trigo: seja nos curtas em película ou nos vídeos. Só não dá para
ficar indiferente diante da tela do mais tradicional festival
do país, diante da mais ruidosa platéia brasileira, quando vemos
desfilar imagens sem nutrientes necessários para o festival justificar
a importância da qual tanto se orgulha. Que os filmes sustentem
essa relevância do evento pela qualidade estética, em vez de o
evento tentar sustentar a relevância dos filmes apenas porque
eles estão lá.
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