história(s) do cinema brasileiro
Bruno Vianna: longa carreira em curtas
por Eduardo Valente

A paisagem carioca é personagem central na obra de Bruno Vianna. De saída, Cafuné, estréia de Bruno Vianna em longa-metragem, se instaura nesta paisagem: o mar, montanhas, o morro do Vidigal. Curiosamente eram imagens semelhantes as que abriam o seu curta de estréia, Geraldo Voador (ao lado, abaixo), de 1994. Só que ali Bruno Vianna usava de uma estética que parecia propor um olhar neo-realista onírico – certamente um filme de quem tinha assistido Rio 40 Graus e Couro de Gato, e dialogava em preto-e-branco com toda uma tradição do retrato da favela. O filme de Bruno marcou época, inclusive por ser um dos primeiros a fixar os olhos mais atentamente para a violência do tráfico moderno e sua relação com os jovens do morro. Neste sentido, se o filme parece hoje um pouco datado, é justamente por estar tão intrinsecamente atrelado a um momento, a um desejo de olhar para algo ainda um tanto invisível e incerto de como filmá-lo.

Rosa (1997, foto de cima), filme seguinte do cineasta (sua estréia em 35mm como formato de exibição – e única experiência como formato de captação), parece uma abertura de escopo do filme anterior. O filme sai um pouco do morro (passa pelo centro da cidade, os trens, o trânsito), amplia o número de personagens protagonistas (são três) e, acima de tudo, incorpora o som da música local através do funk carioca (também uma outra vez que Bruno Vianna se antecipou a um fenômeno que só se tornaria corrente na mídia tempos depois). Como no filme anterior, o diretor cria um curioso diálogo entre uma tradição de cinema (parte do filme lembra o cinema mudo, com o funk como trilha) e a atualidade. E, como no filme anterior, o filme parece claudicante na atuação dos atores, o que aqui fica um pouco mais às claras dada uma opção por um naturalismo maior nas partes faladas. Chama a atenção, porém, o interesse eminentemente humano do olhar de Bruno, que tenta achar sempre os pequenos dramas no meio do cotidiano duro, quebrando preconceitos com a mesma desenvoltura com que brinca com os clichês da representação do morro.

Os dois filmes teriam como complemento e radicalização aquele que é o filme mais forte na filmografia de Vianna, Nevasca Tropical (2003). Entre Rosa e este, ele realiza em digital Tudo Dominado (2002), que ainda hoje parece mais um exercício de atores e roteiro, uma vontade de voltar a filmar depois de cinco anos, de ampliar a relação com o ator do filme anterior (Augusto Madeira, ainda pouco usado no cinema de longa brasileiro depois de uma já considerável carreira no teatro e em curtas), e de explorar mais um aspecto cômico e social do mundo carioca – os camelôs do Centro da cidade. O filme diverte, e até carrega algum peso dramático na sua poesia do prosaico e retrato de um Brasil/Rio de Janeiro onde desespero e bom humor se misturam, mas não parece forte como a trilogia que o cerca.

No entanto, Tudo Dominado parece ter colocado Vianna no rumo do humor mais rasgado e do cinema digital, características importantíssimas em Nevasca Tropical. Se pensado como um filme feito nove anos depois de Geraldo Voador, Nevasca impressiona pela extrema auto-consciência de um trajeto pessoal (não por acaso o personagem principal se chama Geraldo e uma fala do primeiro filme é repetida), principalmente pela necessidade de revisar esta trajetória e repensar qual a representação possível do mundo da violência no morro depois que ele se tornou onipresente no audiovisual brasileiro (o filme é claramente pós-Orfeu e Cidade de Deus, neste sentido). É um filme de uma ironia fina com o cinema brasileiro que se construiu nos nove anos que o separam de Geraldo Voador, com piscadas de olho tanto para a representação da violência quanto para os documentários de Eduardo Coutinho no morro. Hilário e sofisticado na sua chanchadesca aproximação com a realidade que Bruno não ignora (entre seus maiores achados, o de ter Elza Soares interpretando a chefe do tráfico no morro - foto acima), é um fechamento brilhante para a primeira fase da carreira de um raro cineasta brasileiro que chegou ao longa na hora exata: nem antes, nem depois, maduro.

Sobre Cafuné, muito ainda se falará, mas aqui o efeito buscado é o de inseri-lo numa trajetória coerente (sem ser repetitiva) que já tem mais de dez anos de cinema brasileiro, para que não se trate uma estréia em longas como o primeiro passo de um cineasta que já se encontra em atividade há um bom tempo. E que, tendo em vista as preocupações mostradas no lançamento do filme (download na internet, edição em DVD já pensada), prova que pensa muito criticamente não só o seu cinema, mas a contemporaneidade da produção e circulação de imagens no Brasil. Nome importantíssimo, portanto.

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