in loco - Festival de Brasília
Competição de curtas
35mm - segundo dia
por Cléber Eduardo
Dia de Folga, de André Carvalheira
Alterações
de percepção
Há alguma razão maior para a disposição dos diretores
de Brasília em recorrer ao plano-seqüência desnorteado? Ou ainda
para escolher protagonistas prisioneiros de um estado alterado
de percepção? Nenhuma das duas características são exclusivas
do Distrito Federal, mas, pela recorrência (amplificada por Subterrâneos
e A Concepção, os longas de José Eduardo Belmonte), essas
marcas tornam-se uma questão para além de opções isoladas. Seriam
da identidade de um tempo histórico e de um determinado ambiente?
Dia de Folga, de André Carvalheira, não é uma resposta,
mas estimula, ainda mais, essa indagação.
As primeiras imagens do filme já nos jogam num
travelling em alta velocidade, depois nos colocam diante
de um enquadramento no tripé a mostrar operários também acelerados,
sempre com um som forte e uma iluminação bem marcada, já nos introduzindo
em um universo de percepções alteradas (apenas a nossa, em primeiro
momento). A câmera se esforça ainda para colocar o olho do filme
em cima, em baixo, em lugares onde o olho humano não estaria,
mas o do cinema pode estar para criar efeitos formais.
Essa alteração da percepção, em pouco tempo, será
estendida ao protagonista (Cláudio Jaborandy), um operário que,
ao contato com os frangos para assar em um pé sujo, e afetado
pelas doses sucessivas de cachaça, é tomado por delírios e por
regressões à infância. Transitando por uma operação difícil (a
de entrar dentro da cabeça de um personagem), Dia de Folga
é convicto em sua aposta, estabelecendo a construção de uma atmosfera
tensa e insólita, não sem risco de cair no patético. No entanto,
o afinamento entre linguagem e personagem, sem ser uma proteção
contra os riscos corridos, agarra-se na coerência da proposta.
* * *
Noites de Marionetes, de Haroldo Borges
O
título nos remete a Ingmar Bergman, somando Noites de Circo
com Da Vida das Marionetes, o que, salvo coincidência,
é uma demonstração de erudição. E essa mesma “erudição”, na imagem,
será realçada por uma direção racional, com cada plano pensado
para surtir efeito plástico. Há uma queda pelo formalismo em A
Noite dos Marionetes, do baiano Haroldo Borges, e, se essa
queda pode ser vista como rigor do diretor, também ameaça as experiências
humanas dos personagens. Eles parecem apenas objetos em cena,
apenas imagens, quase mitos, embalados por uma trilha sonora de
acordes de guitarra, a reforçar uma certa desespacialização e
desumanização das experiências mostradas. O universo é popular.
No começo, vemos um circo, um palhaço, sua solidão. Na seqüência,
surge uma prostituta, com quem, até o final, esse palhaço irá
se enrabichar – na verdade, agarrar-se como tábua de salvação.
Tanto ao longo do curta, como ao seu final, essas pessoas nunca
se tornam pessoas de fato, apenas sendo usadas pela direção como
pretexto para planos bem elaborados. Pode ser essa a intenção
de Haroldo Borges, sem dúvida, mas ela esvazia em excesso a potência
das imagens.
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