in loco - cobertura dos festivais
Cru, de Jimi Figueiredo (Brasil, 2011)
por Pedro Henrique Ferreira

RaniaTortuosidades

Desde o princípio, são bem notáveis as tortuosidades de Cru, dos problemas técnicos de som e das distâncias esquisitas que seu mapeamento cria às quebras de eixo na decupagem, feita de planos em teleobjetiva, e a desorientação espacial consequente destas. Mas é justamente de tortuosidades que o longa-metragem de estréia de Jimi Figueiredo é engendrado. Os problemas técnicos se tornam recursos estéticos e, finalmente, procedimentos discursivos (ou talvez o caminho seja o oposto). O resultado, para o bem ou para o mal, por um caminho ou por outro, é que os defeitos terminam sendo ferramentas para se elaborar sua perspectiva, de que é destas tortuosidades mal paridas que o cinema brasileiro atual é feito.

Não estamos, porém, diante de um elogio da anomalia, ou nem sequer de um gesto que transforma a aberração em um câncer convulsivo que faz tudo ruir (lembremos, por exemplo, de Lavoura Arcaica). Estamos diante de figuras monstruosas que caíram em um limbo descomunal, párias no meio do nada que sofrem, diariamente, com suas próprias existências e matam por passatempo (seus jogos, nem de diversão podemos chamar, pois são produtos do tédio) ou comem carne crua numa atitude paspalha de vingança contra o que a vida lhes fez. Encarnados pelo matador Cunha (Sergio Sartorio) e pelo transsexual Frutinha (André Reis), tais figuras agem como se, numa verve próxima ao cinema de Cláudio Assis, quisessem assustar e chocar a todo instante - ainda que, no fundo, as funções que desempenham na narrativa sejam tão óbvias e enunciáveis que o próprio choque fique um tanto quanto inofensivo. E somente quando assumem uma certa galhofa consigo mesmo (na discussão a lá Casseta e Planeta sobre o presidente Lula ser cachaceiro) é que criam alguns bons momentos de risadas, algo que no fundo é aviltante, pois termina sendo uma ridicularização da cafajestice de suas próprias opções.

RaniaNo fundo, Cru é mais um longa-metragem nacional onde a relação paterna é desenhada como traumática, e o filho, uma espécie de produto deformado e débil que lança rugidos sem direção por não encontrar de quem exatamente se vingar. No fim, o “Frankenstein” finalmente encontrará seu criador que, imerso em culpa, exigirá que uma vingança contra si própria se consuma. Ao invés de matar seu pai, deixará ele viver afundado em remorso e cometerá suicídio. É ao menos estranho (senão constrangedor) vermos esta espécie de desfecho por um diretor em seu primeiro longa-metragem – entende-se como um aborto, com traumas demasiadamente pesados para serem superados e poder dar frutos: uma arte niilista, estilizando as retóricas de seu próprio abismo. Uma arte cuja violência é indirecionada, e que mal nasce e já se lança ao suicídio, sem sequer tentar.

Outubro de 2011

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