Comunicado oficial da Mostra de Cinema
de SP, e resposta da editoria da Cinética
COMUNICADO À IMPRENSA
A organização da 30ª Mostra Internacional de Cinema
em São Paulo vem por meio deste comunicado responder às correspondências
de jornalistas e cineastas sobre o não fornecimento de credencial
de imprensa para alguns veículos.
Desde a sua criação, em 1977, a Mostra é um evento
voltado prioritariamente para o público. Assim como o evento possui
uma cota limitada de pacotes de ingressos e permanentes para seus
espectadores dentro de seus limites de ocupação, o mesmo acontece
com as credenciais de imprensa.
Neste ano, a 30ª Mostra recebeu o recorde de 611
solicitações de credencial dos diversos veículos de imprensa –
jornais, revistas, internet, TV, rádio. Desses pedidos, concedeu
150 credenciais de imprensa, que permitem assistir a todos os
filmes programados no evento. Fora isso, muitos jornalistas a
quem não foi possível conceder a credencial receberam cotas de
ingressos cortesia para suas coberturas.
Ressaltamos que a Mostra Internacional de Cinema
em São Paulo mantém ainda hoje sua política de credenciamento
gratuito de imprensa dentro de suas capacidades – ao contrário
do sistema adotado em grande parte dos festivais internacionais
hoje, de cobrança da credencial.
Gostaríamos de reafirmar também que, para a melhor
cobertura do evento pela imprensa especializada, a Mostra promove
sessões matutinas para a imprensa no Frei Caneca Unibanco Arteplex,
que se estenderão até o próximo dia 29 de outubro. Este ano serão
ao todo 26 dias de sessões, com média de dois filmes por dia,
perfazendo um total de 50 filmes exibidos exclusivamente para
a imprensa. Além disso, a Mostra, como em outros festivais internacionais,
disponibiliza a sala de vídeo em sua sede para que os jornalistas
vejam os filmes em DVD – recurso utilizado na cobertura de vários
veículos.
Agradecemos a compreensão dos colegas da imprensa
e nos colocamos à disposição de todos para informações sobre a
programação da 30ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Assessoria
de Imprensa
30ª Mostra Internacional
de Cinema em São Paulo
* * *
Existem duas formas (distintas, mas complementares)
de ler a resposta oficial da Mostra à nossa carta aberta: pelo
que ela diz e pelo que ela não diz.
Ela diz, primeiro, o que todos sabíamos (e que
estava na nossa carta, aliás): que muita gente pede credencial,
e que a Mostra tem que fazer uma seleção de quem as recebe. O
que ela não diz (e que era simplesmente tudo do que tratávamos
na carta) é algo sobre os critérios de escolha destes selecionados.
Então, reafirmamos o que dissemos antes: estes critérios certamente
levam muito pouco em conta a produção crítica de conteúdo a partir
da programação da Mostra. Afinal, se a Mostra se dá o direito
do auto-elogio sobre a sua importância em 30 anos de história
(e ela tem este direito!), nós também podemos nos dar: em oito
anos de militância na crítica independente, não há grupo de críticos
mais consistente e aplicado no seu labor do que os que co-assinam
e são mencionados em nossa carta. Por isso, em 150 credenciais
de imprensa, que tenham sido reservadas 3 para este grupo é auto-evidentemente
desigual à importância e volume produzido (dentro do critério
do pensamento crítico, é claro). Se este critério não tem valor,
é uma escolha da Mostra que precisa ser explicitada.
Ela diz, depois, que os críticos podem ver filmes
de outras maneiras, como em cabines ou em sua sala de DVD. O que
ela não diz é que estas cabines têm uma curadoria da própria Mostra
(algo óbvio, mas que precisa ser explicitado), que se reserva
assim o direito de pautar os não-credenciados, dizendo quais 50
filmes entre quase 400 eles devem destacar. Não diz mais: que
a sala de DVD se localiza no escritório da Mostra, e que a experiência
de anos anteriores nos ensinou que não é exatamente o melhor ambiente
para se analisar filmes – e afinal, a Mostra é de Cinema ou de
DVD? Talvez seja um ambiente OK para críticos que dizem ver mais
de um filme ao mesmo tempo, ou que não se importam com detalhes
como formato de exibição e som, ou ainda para jornalistas que
só queiram ver um filme para ter uma mínima idéia do que vão falar
numa entrevista com um convidado – o que não é o nosso caso, em
nenhuma das opções. Preferimos ter o direito, portanto, de nos
pautar em nossa cobertura e de ver os filmes como eles foram pensados
e concebidos. Cabines e sessões em DVD são, eles sim, os “extras”:
o trabalho sério se dá no acesso à toda a programação, nas salas.
A Mostra diz ainda (ou faz ameaça velada?) que
faz favor em não cobrar por suas credenciais de imprensa. Bom,
para nós não faz diferença: não credenciados, pagamos de qualquer
jeito para ver os filmes, pagaríamos por credenciais também. Mas,
o que ela não diz ao mencionar os “festivais internacionais” é
que exemplos sempre há para se dar (como nossos debates eleitorais
mostram) – porque então não citar o tratamento dado à imprensa
no Rio, nosso modelo mais próximo; ou Cannes, o maior dos festivais
do mundo (onde não se cobra por credencial, embora se imponha
critérios e limites claros para obtenção destas).
Finalmente, a Mostra apela para um populismo sem
muito sentido: “ela é voltada para o público”. Belas palavras,
mas como a maioria dos bonitos slogans, carece um pouco de sentido
neste contexto. Primeiro, porque não tem nada a ver com o assunto
em discussão (critérios de seleção de imprensa credenciada, exclusão
da crítica independente e de internet), ou se baseia numa falsa
hipótese (os críticos independentes, ao pedirem seu credenciamento,
colocam em risco a fruição do público da Mostra). Segundo, porque
temos certeza que a Mostra não deixará de credenciar jornalistas,
já que tem todo o interesse do mundo na repercussão que estes
dão ao evento, inclusive para que o público possa comparecer ao
mesmo. Se a Mostra tem hoje o público que tem, isso tem muito
a ver com a imprensa credenciada. De novo, a questão é quem é
credenciado em lugar de quem, e não necessariamente um aumento
dos credenciados (embora isso até pudesse ser feito se a Mostra
também optasse por uma outra questão – a diferenciação de acesso
entre credenciados, levando em conta quais são críticos, jornalistas,
“babadeiros”, etc).
Em suma, a resposta fala muito, mas diz muito
pouco. Especialmente diz muito pouco sobre o assunto que nós levantávamos
com nossa carta, parecendo indicar que esta sequer foi lida (porque,
se foi, foi ignorada). Como, aliás, sentimos que não são lidas
pela Mostra as coberturas do evento que fazemos todos os anos
em nossos sites – porque preferimos continuar acreditando
que, se fossem lidas, seriam devidamente prestigiadas pela organização.
Para nós, é um comunicado que mostra a mesma falta de sensibilidade
para a base de nossas reivindicações que as primeiras respostas
que recebemos particularmente nos faziam ver. Se exime de valorar
qualidade de trabalho, não fala uma palavra sobre a importância
(ou não) que vê no trabalho reflexivo (em oposição ao de divulgação),
não diferencia ou valoriza o trabalho independente (portanto,
mais carente de apoio institucional) – em suma, lava as mãos sobre
o tema, e se fecha em dados, números, frases feitas.
Nisso, nenhuma novidade. Onde há (feliz) novidade é na simples
existência deste comunicado distribuído pela Mostra. Afinal, sabemos
que se este foi feito, não foi por conta da nossa carta (desimportante,
como indica a não-resposta a ela), mas pela manifestação de um
número razoável de cineastas e membros do cinema nacional, que
se solidarizaram com nossa causa, pelo simples reconhecimento
da importância que nosso trabalho tem (totalmente ausente na resposta
da Mostra).
Esta solidariedade, para nós, era o mais importante na feitura
da carta – primeiro, pela força que nos dá para manter um trabalho
sabendo que não somos só nós que vemos sentido nele; mas, em segundo
lugar, pelo que a simples existência do comunicado da Mostra deixa
claro: que a união de grupos distintos por interesses comuns é
mais difícil de ignorar do que as manifestações individuais de
agentes menos “influentes”. Lição sempre importante e boa de relembrar,
não só no campo do pensamento de cinema.
Daqui deste lado, seguimos adiante como sempre:
desejosos do reconhecimento pelo trabalho que fazemos, mas sabedores
que o importante mesmo é que sigamos fazendo.
Eduardo Valente
editor da Cinética
editoria@revistacinetica.com.br
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