in loco - cobertura dos festivais
Complexo: Universo
Paralelo,
de Mário Patrocínio (Portugal, 2010)
por Juliano Gomes
Tão
perto, tão longe
A primeira coisa que se poderia esperar de um
filme feito por dois portugueses vivendo no Complexo Alemão seria
a possibilidade um novo olhar para um universo já tão desgastado
por imagens e discursos. Se não é exatamente novo o olhar dos
irmãos Patrocínio, é bastante surpreendente que este filme seja
feito em 2010. Só que se Complexo é uma espécie de ovni
dentro do filão dos “filmes de favela”, isso se dá pelo seu flagrante
anacronismo. Trata-se de um longo desfile de clichês, que mistura
uma postura assistencialista do “dar a voz” aos excluídos combinada
com todos os tiques da publicidade audiovisual: cores saturadas,
alto contraste, inúmeras passagens de foco, trilha sonora triste
e digna na hora em que o “morador honesto” fala, trilha grave
e soturna sobre o discurso dos traficantes.
Tudo o que não há em Complexo é justamente
uma imagem complexa, que tenha alguma possibilidade de fuga de
um jogo de cartas tão marcadas. Nada que possa gerar algum pensamento
que já não esteja pronto e enlatado. A possível vantagem de ser
um filme feito ao largo desse debate que atravessa há mais de
uma década filmes tão diferentes quanto Notícias de uma Guerra
Particular, Cidade de Deus, Ônibus 174, 5x
Favela – Agora por Nós Mesmos, acaba se tornando um grande
defeito. Pois se o filme não acrescenta nada ao debate estético
e sociológico sobre o assunto, ele apresenta uma visão absolutamente
ingênua e desproblematizada tanto da dinâmica social do Rio de
Janeiro quanto da discussão sobre o quê e como filmar este “outro
de classe”. A voz só é dada (é preciso que alguém a “dê”) para
que os personagens confirmem o que já se sabe desde o primeiro
segundo. Não há nenhuma possibilidade de curva ou virada de jogo:
tudo ocupa seu lugar demarcado, separado, e solidificado pela
avalanche de discursos que têm esse universo como objeto.
Complexo acredita numa crença vaga e falsamente responsável, exemplificada
na fé dos moradores, bastiões de uma dignidade quase divina, que
não faz mais do que transformá-los em outro, do que separá-los
de nós que assistimos ao filme. Seu objetivo é nos oferecer, e
compartilhar conosco, uma indignação impotente, comum aos telejornais,
sempre amenizada no segundo seguinte, pela próxima imagem. A cada
possibilidade de contradição na apresentação dos personagens assistimos
alguns minutos de belos clipes ambientados nesse exótico e colorido
ambiente, calando qualquer possibilidade de potência que poderia
haver nas imagens, qualquer possibilidade de inversão nesse jogo
de cartas marcadas. Quanto mais o filme mergulha no universo da
favela, mais parece se afastar dele, na medida em que o encontra
é somente o discurso exterior, que separa, que cria desigualdade,
que faz os bandidos só falarem gírias, e o senhor nordestino ser
“um exemplo”. Ao final, parece que descobrimos que olhar por dentro
às vezes pode atrapalhar a visão.
Setembro
de 2010
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