Como Esquecer, de Malu De Martino (Brasil, 2010)
por Eduardo Valente

Fala, que eu te escuto

Basta levarmos ao pé da letra o título do filme, para que fique clara sua maior vocação (e, por que não, fonte de inspiração): para Como Esquecer, a ficção cinematográfica é pouco mais do que uma ferramenta de auto-ajuda. Assim, ao longo dos seus quase eternos 100 minutos de duração, trata-se antes de tudo de presenciar (e dissecar) um processo de cura – o da professora de Literatura interpretada por Ana Paula Arosio, que acaba de ser deixada pela mulher que ama, com quem passou vários anos. À sua dor, se somarão as de dois outros personagens: seu melhor amigo, cujo companheiro morreu um ano antes; e uma terceira personagem, que vai morar junto com eles, e que acaba forçada a fazer um aborto depois de ser largada pelo namorado. Três estudos de caso, portanto, em frustrações sentimentais e perda..

A partir dessa construção em espelhos (onde o importante é que ao final estejam todos purgados e “prontos para seguir adiante”), Como Esquecer parece um filme feito com perfeição para ser exibido em algum programa vespertino do GNT, com cada cena ou diálogo sendo seguida por uma telinha que se abra para a discussão de alguns especialistas em sexualidade, psicanálise, medicina alternativa, etc. O filme segue adiante como um rolo compressor de frases de almanaque, que se revezam entre as bocas dos mais diversos personagens e a voz em off de Ana Paula Arosio - que vem puxar o espectador pela mão, caso ele tenha qualquer (improvável) dificuldade em entender exatamente o que sua personagem sente a cada momento do filme. Talvez, aliás, a simples listagem de algumas destas frases fosse critica mais pertinente ao filme do que uma discussão dele por qualquer outro viés. Entre as pérolas ouvidas temos, por exemplo: “A água do mar ajuda a equilibrar o organismo”; “qualquer mudança confirma o final de um período, a perda de um eu”; “o corpo de Antonia sempre foi um mapa sem segredos para mim”. Da mesma forma, a chegada de uma personagem é saudada com um “você e seus quadros, sempre surgindo do infinito”, enquanto esta mesmo se definia um pouco antes: “eu acredito no amor e nas artes plásticas”.

Falamos, aliás, em artes plásticas e literatura, e talvez o dado mais chocante e incômodo de todo o filme seja justamente a forma parasitária como ele se aproxima destas “artes nobres”. É como se as citações constantes ao “Morro dos Ventos Uivantes”, principalmente através da personagem de uma mestranda que persegue a professora, pudessem emprestar ao conteúdo irremediavelmente pulp do filme, qualquer aspiração maior, de pretensa profundidade, que o eleve, por exemplo, acima da seara da ficção televisiva. No entanto, no fundo o filme é muito pior do que qualquer telenovela, sendo esta por natureza um produto que tem total consciência (e, no caso das melhores entre elas, considerável auto-ironia) da sua funcionalidade absoluta, sua missão de dar ao espectador exatamente o que ele quer/precisa ouvir. Como Esquecer se leva a sério o tempo todo, e curiosamente é aí mesmo em que mais se revela risível, incapaz de perceber que trata da mesmíssima maneira o seu público – só que aquele elegante, classe A, que percebe valor artístico em citações literárias e, tal qual o personagem de Murilo Rosa, entende de feng shui e sabe diferenciar entre cinco tons de branco na decoração de ambientes. Não por acaso, é ele quem melhor define o filme, em uma de suas falas: “ele não tem cheiro; tem aroma, tem buquê”. Pois Cazuza já teve boa definição sobre o aroma deste buquê.

Outubro de 2010

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta