in loco - cobertura dos festivais
Nuvem 9 (Wolke 9), de Andreas Dresen (Alemanha,
2008) por Eduardo Valente Além
do slogan
Já na sua primeira seqüência, Nuvem
9 vai direto ao ponto, numa cena de sexo entre septuagenários que não se preocupa
em esconder quase nada do contato entre os corpos de pessoas idosas, sem nenhuma
idealização das suas formas ou possibilidades. Não nos enganemos: embora consolide-se
como uma opção um tanto corajosa de encenação daquele que pode ser considerado
um dos grandes tabus da imagem contemporânea (já que lida diretamente com as imperfeições
do corpo humano), esta também é uma ferramenta de marketing do filme, que faz
deste gesto corajoso seu grande ponto de venda. Por isso mesmo, para o bem ou
para o mal, o importante é ver no que o filme, a partir do momento em que estabelece
assim tão cedo as regras do seu jogo, conseguirá superar simplesmente as conseqüências
deste corajoso conceito que pode se tornar um slogan e nada mais. Em outras
palavras: para além do fato de que veremos corpos idosos em momentos de desejo
e concretização sexual, o que mais teria Nuvem 9 para nos oferecer? Durante
boa parte de sua duração, a resposta é bastante positiva, porque depois
da cena que abre o filme com tanta frontalidade, Andreas Dresen mostra controlar
aqui com bem mais comedimento sua câmera digital (que tanto parecia querer chamar
atenção para si em Entre Casais), ficando ela a serviço dos personagens
e não o contrário. Ao delinear o amor tardio e adúltero de Inge por Karl, Dresen
constrói com bastante calma as circunstâncias em que ele se dá, permitindo-se
tanto uma atenção bastante respeitosa aos personagens externos ao casal (principalmente
o marido dela, e as bases em que se relacionam) como uma juventude primaveril
no retrato da atração entre os dois. Em ambas as instâncias, Dresen consegue dar
conta de fazer com que a afirmação da possibilidade do encontro amoroso na velhice
não caia num manifesto bobo alegre, porque não deixa nunca de lado a dimensão
da decadência física e da constante presença da morte como motivadores e questões
intrínsecas aos personagens. Da
mesma forma, Dresen não foge do drama (nem de sua complexidade) ao precisar levar
a cabo a questão do adultério e dos diferentes amores, lembrando um pouco aqui
o Robert Guédiguian de Marie-Jo e Seus Dois Amores. Filmar o êxtase e o
sofrimento, numa história como esta, são passos igualmente essenciais para se
respeitar os personagens. No entanto, na sua parte final, Dresen mostra que nem
sempre é fácil fugir do determinismo, e por mais que seu Nuvem 9 não possua
no título (que é uma tradução literal de uma expressão anglo-saxônica que significaria
algo perto de “no sétimo céu” no português) o mesmo tipo de ironia malvadinha
e infantil de um La Buena Vida ou um Wonderful Town, inegavelmente
ele vê com olhos dúbios a possibilidade de afirmar a complexidade sem cair na
tragédia. Embora não caiba aqui patrulhar as afirmações que um filme faz ou deixa
de fazer sobre a experiência humana, é inegável que o desfecho de Nuvem 9
lhe tira um pouco da força atingida, menos pela opção dramática tomada e mais
pelo fato de não conseguir dar conta dela como deu de todo o resto de sua narrativa.
Imposta a tragédia, Dresen parece não ter mais forças para desenvolvê-la como
o fez com o êxtase: de frente, preferindo abandonar seus personagens à sua própria
sorte. Novembro de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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