Circular, de Adriano Esturilho, Aly Muritiba, Bruno de Oliveira, Diego Florentino e Fábio Allon (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso

RaniaMostrar ou não-mostrar

Ao contrário do que sua sinopse e quantidade de diretores possam fazer pensar, Circular não é um filme de episódios. Sua trama acompanha um dia na vida de cinco personagens que se encontram, ao fim da jornada, num ônibus (o tal circular do título). Mas se ele não é explicitamente de episódios na concepção, o é como material, já que cada uma das histórias das personagens é filmada de maneira diferente, como se cada uma delas fosse, claro, um ponto de vista diferente. Por um lado, o formato parece uma maneira de abarcar todos gostos e “estilos” de seus diretores: uma das histórias é filmada com câmera na mão e planos fechados controlados, outra com planos-seqüências em steadycam, uma outra meio desleixada, com a câmera na mão solta... Porém, há uma questão mais presente em Circular que ilustra bem o grande problema do filme. Não fosse pelos planos de cidade nos créditos iniciais, seria muito difícil reconhecer onde e quando se passa essa história. Não se trata de uma questão das “cores locais”; é o caso do uso das particularidades do universo que se pretende retratar, algo em falta aqui. E esse é o problema mais evidente em Circular: ele é feito a partir de reproduções de símbolos e imagens já codificadas pelo espectador de cinema. São imagens restritas à superfície, como se as personagens fossem apenas clichês.

RaniaPeguemos como exemplo a primeira história: nela, há um homem (que fala espanhol) tentando livrar seu filho de um mafioso chantagista. A construção visual se referencia ao cinema argentino dos anos 2000: figurino meio retrô, fotografia dessaturada, câmera na mão controlada bem próxima ao ator. As personagens se tornam manifestações desses clichês: o rapaz crente, se é crente é porque teve problema com bebida, e hoje só pensa em moralizar as pessoas nas ruas; os punks barbarizam pela noite, xingam e xingam (é sintomático que, na primeira seqüência, quando há uma pequena introdução que mostra o momento em que todos se juntam no ônibus, o trio de punks apenas se zoam mutuamente e falam de aborto); a artista plástica tem depressão, e só sabe falar de forma empostada (o único assunto é arte); o cobrador de ônibus leva uma vida dura e tem de lutar boxe (em condições precárias) escondido para ganhar uns trocados.

Essa reprodução de tipos de personagem é, em essência, um filmar, mas não mostrar, na medida em que as opções de linguagem são sempre para reforçar esse caráter: a câmera desleixada no seguimento dos punks, as trucagens com slides e os closes solenes da artista plástica fazendo expressões profundas. O ápice desse “não-mostrar” se dá nas duas seqüências do ônibus. Na primeira, há apenas uma introdução que apresenta a relação fria das personagens no veículo, com closes que as introduzem, mas fazem pensar, no início, tratar-se de alguns figurantes. O filme, então, conta a história de cada uma das personagens, com breves aparições dos outros, criando uma interligação universal entre eles, tirando o acaso da situação (afinal, existe uma razão para estarem todos lá ao mesmo tempo não?). Quando, após sabermos a história de cada, chega o grande encontro no ônibus, há uma confusão, já vista na história de uma das personagens - mas sua resolução, envolvendo todos eles, não será vista: os diretores usam planos curtos, montagem rápida, telas pretas intercaladas, gritos, ruídos altos... O que efetivamente interessa – a cena – não é mostrado. Só que até mesmo essa confusão final é, também, um clichê visual.

Outubro de 2011

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