in loco - 5o cineop
Curtas: Achados e perdidos
por Paulo Santos Lima

Série 1
O Homem Dela, de Luiz Joaquim (Brasil, PE, 2010)
Silêncio, Por Favor, de Filipe Matzembacher (Brasil, RS, 2010)
A Banda, de Chico Lacerda (Brasil, PE, 2010)
Orawa, de Felipe Barros (Brasil, SP, 2010)
Freqüência, de Jader Maia (Brasil, MG, 2010)
Poética, de Sidney Schroeder (Brasil, RJ, 2009)
Exercício de Fotografia, de Paula Kim (Brasil, SP, 2010)
A Paroxítona de Ofélia, de Rogério Farandola (Brasil,  RS, 2010)

O conflito de horários sempre obriga uma zapeada na programação de curtas, o que pode ser bom quando pela frente há algo como esta série 1 – a única que pude ver na íntegra. Tudo bem que, ao nível da evidência, estamos aqui numa coletânea de trabalhos que são mais exercícios audiovisuais que cinema, mas, por isso mesmo, como analisar uma obra que se vale apenas da performance de seus próprios procedimentos, de seus dispositivos, de seu modo de construir e deixar uma imagem na tela? Se banal ou modesto, só resta o efeito.

Um efeito boçal talvez seja das mais exasperantes experiências que alguém pode ter numa sala de cinema. Pior ainda quando, para se criar o tal efeito, o uso de material humano se faz irrefreado. Caso de A Banda, que mostra, em vários travellings, pessoas dançando e interagindo na Parada Gay de Recife. O diretor Chico Lacerda tira o som e deixa apenas a imagem (digamos que é o contrário dos ótimos médias que comento em outro texto). Mas não se trata de uma imagem intacta, mas sim alterada, em câmera lenta, batimento estranho, fazendo com que um diálogo torne-se um ato ridículo, ou uma dança seja motivo de chacota independentemente de como e quem está dançando. O filme não procura pela experiência da cena, mas sim seqüestra essa cena que nasce da própria captura em locação para encontrar um efeito.

É de efeito que chega à tela Orawa, que filma as costas de um maestro em regência, camisa suada colada à superfície dérmica, algo esperto para se criar um efeito. Se sobra apenas o efeito, pelo menos ele não atenta ao seu material filmado. Freqüência não é diferente, querendo falar dos trânsitos dentro do espaço urbano – algo que está mais no material gráfico do que no filme, que é puro formalismo PB, jamais alcançando a discussão que timbra uma suposta “seriedade” do projeto. Marcelo Miranda, no Filmes Polvo, ajuda sobre Silêncio, Por Favor, em seu fraco uso do som para falar de deficientes auditivos: quem agüenta cortes bruscos no som para representar a perda da audição? A boa forma de enquadramentos e televisores, telas etc. em Poética (foto acima) é das mais felizes presenças nesta série 1. Aqui há um formalismo que simplesmente discute, no calor da cena, a sua pauta que é a presença maciça da TV nos cotidianos por aqui e por aí afora. Puros exercícios de habilidade, A Paroxítona de Ofélia e Exercício de Fotografia possuem cabo preso à narrativa, e é aqui que ambos se estrepam, com suas escolhas, habilidosas, que fazem das obras um verdadeiros frankensteins.

O melhor filme do pacote é O Homem Dela, no qual Luiz Joaquim faz uma homenagem a Billie Holiday e Edward Hopper, cantora e pintor servindo um para acrescentar algo à obra do outro. A música “My Man” ilustrada pelas pinturas cria não o caminho fácil da imagem correspondente ao texto cantado, mas sim um uso mais livre das figuras saídas do pincel de Hopper que amplifica os desdobramentos possíveis nessa relação. Aqui, neste belo e sensível filme, não há exploração, mas sim casamento. Eis uma obra preocupada com o sentido, e não com o efeito.

* * *

Instantâneos, de Andréa Capella e Peter Lucas (Brasil, RJ, 2010)
Dias de Greve, de Adirley Cunha (Brasil, DF, 2009)
Bailão, de Marcelo Caetano (Brasil, SP, 2009)

Dias de Greve e Bailão já foram muito bem comentados aqui na Cinética quando de sua exibição em Brasília ano passado, e é certo que, nesta 5ª edição da Mostra de Ouro Preto, o filme de Adirley Queirós parecia estar algumas milhas acima do resto. É um caso de greve que não avança para a ação política – ou seja, a típica reivindicação que acaba esmorecida, derretida em seus desejos de processo. No marasmo que se instaura entre a paralização e a volta às máquinas numa Ceilândia registrada fora de qualquer registro consagrado (esse que oferece tanto a estetização arco-íris quanto o “realismo” das cores frias), os personagens andam de bicicleta, vão de carro ao campo da boa pelada de futebol, tiram umas pequenas para dançar no boteco. Poderia se dizer que Adirley emula os primeiros Jim Jarmusch (e Francis Vogner, em seu ótimo texto sobre o filme, conta sobre as referências aos Dardennes feitas pelos jornalistas no Festival de Brasília), mas não: Adirley emula sua vizinhança, os arredores que bem conhece, e não sai do registro da ação concreta da cena. As interioridades ficam dentro da cachola dos personagens, e esse abismo que surge entre o bastante dito (o filme é muito falado) e o calado, cria uma espécie de ambigüidade que está mais para espaço de introspecção.

O ótimo Bailão pode servir de contraponto ao esmerado Instantâneos. Marcelo Caetano acompanha seus personagens interessado por onde eles transitam (os espaços), suas vozes surgindo sobrepostas e, potentes, em off. A imersão no universo dos homossexuais mais velhos que amargaram a clandestinidade e há algum tempo encontraram seu pequeno paraíso nas sombras da noite é a busca pelo conhecimento de um universo e seus seres. A estilização surge como assinatura, mas não sufoca aqueles que ela enfeita. Instantâneos fala de outro vilipendiado, Sérgio Oliveira, o Gaúcho, um fotógrafo profissional que circulava pelos bares da Lapa carioca vendendo seu dom para registrar amigos e enamorados das mesas e garrafas a meia cerveja. O carinho do filme está logo no início, quando mostra o ritual do Gaúcho para sair, garboso, pelas ruas boêmias. É nelas, também, que o curta o seguirá. Mas a forma com a qual ele é mostrado é um problema: Gaúcho vira um objeto de cena. Excelente diretora de fotografia, Andrea Capella certamente se deparou com um sujeito bastante magnético ao seu equipamento e olhar fotográficos. Sempre difícil saber quem, de fato, é responsável pelo resultado final, quando mais de um diretor está operando o leme da realização. Se Capella conteve outros desandos ou Peter Lucas pedia um visual mais solto, o que há de comprovado está na tela: um sério e esmerado filme, mas que assassina seu personagem, com sua imagem sufocada... justamente pela boa imagem, a “imagem de qualidade”.

Julho de 2010

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