in loco O
afinado por Paulo Santos Lima Fronteira
(2008), de Rafael Conde Se nem toda a produção contemporânea presente
na seleção do 3º Festival de Cinema de Ouro Preto fez ponte direta com a temática
histórica dos anos 60, como foi o caso de Anabazys, Os Desafinados,
O Fim da Picada e alguns outros, é fato que todos os filmes presentes no
evento mostram-se afins de certas gramáticas de cinema, isso quando não criam
seus novos fraseados estéticos. Pode-se dizer que as escolhas desenharam um representativo
painel sobre o que vem sendo realizado hoje. Assim, se Walter Lima Jr. cumpre
a pauta da megaprodução de enredo histórico em Os Desafinados, se Nossa
Vida Não Cabe num Opala é um exemplo esforçado, mas fraco, de uma visão de
mundo mais crua e distópica recorrente na produção paulista (Um Céu de Estrelas,
Contra Todos, Os 12 Trabalhos), o diretor mineiro Rafael Conde opta
por um exercício puramente formalista, sensorial e de construção poética em seu
longa-metragem Fronteira. Fechando
o 3o CineOP (assim como o experimental – e “gusvansantiano” – Andarilho,
de Cao Guimarães, selou a 2a edição do evento), Fronteira é
um exemplo da produção mineira, agregada por produtoras como a Camisa Listrada,
juntando realizadores como Cao, Conde, Pablo Lobato, Lucas Bambozzi etc, que opta
por um cinema à margem da tradição comercial-popular, preferindo o exercício estilístico
e a experiência do encontro entre câmera e mundo. Nesse filme de Rafael Conde,
temos Maria Santa, que vive, no início do século passado, num casarão campestre,
e cuja fama de santa milagreira mexe com a demanda coletiva local. A chegada de
um viajante aflora a sexualidade de Maria, que entra em choque com a tia que pretende
prepará-la para o “grande milagre”. Conde conta essa história
de folhetim com imagens poderosas, rigorosamente enquadradas por uma câmera suave
e completamente controlada. Não é um filme tableau, até porque a decupagem
é uma força constante. Ora decupa-se com a luz, ora com o movimento de câmera,
e aqui temos a fotografia do extraordinário Luís Abramo criando densidades variadas,
indo de um registro da natureza (as montanhas, vegetações e pedras) que muito
lembra o Lady Chatterley de Pascale Ferran, a internas do casarão que confirmam
uma austeridade que talvez pese a mão no resultado final. É como se todo o espaço
da casa tivesse de transmitir ao espectador toda uma carga de informações (simbólicas,
às vezes) que tiram o lado corporal, superficial, dos objetos em cena. O
que Rafael Conde faz, e que é bastante interessante, é utilizar literalmente a
luz para traduzir um estado de graça divina, o lado metafísico da história narrada:
uma luz autônoma que invade o plano como facho, adentrando as janelas, chegando
à Maria. Em outros termos, o registro é contraditório, no qual tudo é pictoricamente
fotografado ao mesmo passo em que há uma concretude, um “suor” das coisas em cena
(móveis, chão, os corpos, panos, campim). Jamais naturalista, esse jogo entre
o realismo e a metafísica deixa o filme em suspenso, com algo não se articulando
como corpo cinematográfico. Não é a trilha incidental, que se faz de um excesso
medonho, verdadeiro canhoneio contra o lado high art do filme. Por
outro lado, é bastante interessante que este segundo longa do mineiro Rafael Conde
surja assim, com proposta prima ao Lavoura Arcaica de Luiz Fernando Carvalho.
Ainda que LFC saia mais impecável e profundo em sua empreitada autoral, está claro
que, em ambos os casos, há uma certa contaminação de uma “gramática artística”
que pretende algo fora do eixo, fora da dramaturgia usual. Pode-se dizer que nem
é um caso, este de Fronteira (e de Lavoura Arcaica também), de um
filme de arte com concessões. Claro, sempre há as domesticações, pois os custos
dão choques também nos corações livres e rebeldes, mas projetos como este de Rafael
Conde, mesmo com seus desandos, são gritos corajosos (e insanos) que atentam contra
a integridade anódina do gesso mercantil que envolve o corpo de nosso cinema factivelmente
artesanal. Junho de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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