história(s) do cinema brasileiro
Cineclube se começa na escola por
Leonardo Mecchi As deficiências e limitações
do circuito exibidor brasileiro já vêm de longa data e foram, inclusive, tema
de ampla e exaustiva discussão, aqui e em outras revistas, há quase
um ano. Embora as conversas tenham se focado no impacto dessas deficiências
sobre a produção brasileira, a falta de ousadia do circuito nacional
acaba por deixar de fora também boa parte do que de mais interessante e
inovador o cinema contemporâneo mundial tem produzido. Por
essa falta de opções num circuito cada vez mais formatado e acanhado, mesmo naquele
dito “alternativo”, o que temos visto é a busca cada vez maior por alternativas
não apenas de acesso aos filmes (sendo a Internet a mais difundida de todas) como
também de espaços de exibição pública, sejam eles na forma de festivais, mostras
ou cineclubes. E é desse último grupo, o dos cineclubes, que chegaram recentemente
ao nosso conhecimento duas iniciativas que demonstram a demanda cada vez maior
por esses espaços, não apenas para a difusão da produção contemporânea excluída
do circuito, como também para projetos de formação de público. Estas
duas iniciativas – que representam um recorte bem particular e específico de um
enorme universo cineclubista ainda a ser mapeado e que encontra-se em plena efervescência
Brasil afora – ilustram também duas visões e ações bastante distintas diante de
um mesmo problema: como dar ao público acesso a uma produção que, de outra maneira,
jamais chegaria a ele? Que tenham nascido dentro de instituições de ensino, a
cargo da empolgação de alunos, só aumenta a importância que elas podem vir a ter
como exemplos de uma alternativa que precisa mesmo fazer escola e “refazer a escola”. A
primeira delas é o Cineclube Equipe, organizado por alunos e ex-alunos
do colégio paulistano de mesmo nome. Desde o início de suas atividades em 2006
(com sessões dedicadas a clássicos do cinema brasileiro, sempre acompanhadas de
material informativo e seguidas de debates que possam contextualizar e elucidar
tais obras), sua programação deixou claro o objetivo de formação, e mesmo educação,
de um público acostumado à hegemonia dos filmes comerciais – algo coerente com
sua origem no seio de uma instituição educacional. A temporada
2007 confirma essa visão do cineclube como espaço para educar o olhar de um público
ainda em formação, tendo sua programação pautada num panorama histórico e cronológico
do cinema mundial. A primeira sessão do ano foi dedicada ao primeiro cinema (com
curtas de Lumière, Méliès, Porter, Edison, Pathé), seguida de debate com Flavia
Cesarino Costa (autora de um dos poucos livros em português sobre esse período,
“O Primeiro Cinema – Espetáculo, Narração, Domesticação”). Para o próximo encontro
(dia 14 de abril, às 16h), o período abordado é o do cinema revolucionário soviético,
com a projeção de O Homem com a Câmera, de Dziga Vertov, seguida de debate
com o editor cinético Cléber Eduardo e com Sérgio Alpendre, editor da revista
Paisà. Seguirão, ainda neste primeiro semestre, sessões dedicadas ao expressionismo
alemão (A Última Gargalhada, de Murnau), western (A Grande Jornada,
de Raoul Walsh) e noir (Laura, de Otto Preminger). Indo
por outra linha de atuação, está o KinoCap, cineclube do Departamento de
Artes Plásticas da USP idealizado e tocado por Bernardo Glogowski e Janaína Navarro
(também ela ex-aluna do Colégio Equipe, o que indica que alguma coisa de certo
essa escola paulistana está fazendo). Com sessões duplas quinzenais (às sextas,
a partir das 13h), o KinoCap se diferencia justamente por uma curadoria mais ousada
e corajosa, focada num recorte do cinema contemporâneo que passa ao largo das
salas e distribuidoras brasileiras – e muitas vezes mesmo dos festivais e mostras
de maior renome. Em
sua estréia, o KinoCap já deixou clara sua postura, exibindo A Virgem Desnudada
por seus Celibatários, de Hong Sang-Soo (diretor que, por algum inexplicável
motivo, permanece inédito mesmo no circuito dos festivais brasileiros), e Visita
ao Louvre, da dupla Straub & Huillet. No programa seguinte, foi a vez
de Admiração Mútua, de Andrew Bujawski, e Zero de Conduta, de Jean
Vigo (que, se foge do recorte contemporâneo da curadoria, mantém-se coerente com
sua proposta ousada e arrojada). A próxima sessão, programada para o dia 13 de
abril, será dedicada a Cindy Sherman (que já foi tema de artigo de Cezar
Migliorin aqui na revista), com a exibição do curta de Bertrand Bonello sobre
a artista (Cindy: The Doll is Mine) e de Office Killer, longa dirigido
pela própria. De um lado, a intenção de levar o cinema ao
maior número possível de pessoas, formando espectadores e indicando-lhes caminhos
pelos quais se relacionar com o cinema para além do simples entretenimento. De
outro (e no que a intenção fundadora do KinoCap se aproxima da nossa própria ao
criar esta revista), a vontade de dialogar com um público que, ainda que pequeno,
existe e está interessado por esse cinema ignorado mesmo pelo circuito dito “de
arte”, abrindo um espaço onde este público possa ser provocado e confrontado por
filmes arriscados e ambiciosos. Duas maneiras diferentes
de demonstrar uma mesma paixão. Duas formas distintas de se relacionar com o cinema,
o público e as dificuldades cada vez maiores de se unir essas duas partes. editoria@revistacinetica.com.br
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