in loco - cine ceará 2010
Sexto dia: Caminhos
conhecidos
por Fábio Andrade
O Último Verão
de La Boyita
(El ultimo verano de La
Boyita), de
Julia Solomonoff (Argentina/França/Espanha, 2009)
Logo
nos primeiros minutos de O Último Verão de La Boyita,
há uma cena sem dúvidas impressionante: um grupo de homens enlaça
um cavalo e o derruba ao chão. A cena é filmada com verdadeira
urgência, como se todo o peso daquele enorme animal em queda fosse
imediatamente transferido para o espectador. É uma sequência memorável,
que impõe a O Último Verão de La
Boyita o difícil desafio
de, senão superá-la, ao menos não deixar sua força esvair. No
entanto, embora Julia Somonoff use de todas as armas possíveis
(muitas vezes desesperadas) para tentar criar um novo momento
tão forte quanto aquele – indo de um espancamento infantil ao
sacrifício frontal de um boi – logo percebe-se que O Último
Verão de La
Boyita não proporcionará
muitas outras lembranças.
O filme começa como mais um rito de passagem feminino
da infância pra adolescência, encenado com uma reverência clara
à grife Lucrecia Martel (mais uma vez ela) que, se não preserva
um vigor contagiante, proporciona alguma impressão de instalação.
Mas essa intenção de presença será minada por uma série de manobras
de dramaturgia, das quais a notável falta de cuidado no texto
das conversas é apenas um dos exemplos mais claros. Os diálogos
sempre evidenciam a escrita, sem o cuidado maior – tão necessário
a filmes com tanta propensão ao naturalismo, de tentar se apagar
– minimizando
sua eloquência para que eles possam servir à construção de um
universo. Não temos nem a declamação, nem o naturalismo extremo;
apenas um híbrido morno de caminhos antevistos, mas nunca de fato
explorados. Esse conflito – diminuto, pois inconsciente de sua
potência – ratifica a impressão de que falta, ao filme, decidir
entre dois caminhos distintos que se excluem no meio termo, em
algum lugar entre o naturalismo dedicado e a escritura que se
quer evidente. Ao longo da projeção, a construção de ambiência
é sacrificada por armações hoje já esperadas desse tipo de filme,
usadas aqui de maneira absolutamente indiscreta: o campo como
paraíso perdido; a convivência entre homens e animais como paridade
de comportamentos; as metáforas religiosas; um suspeitíssimo subtexto
civilizador; a descoberta da sexualidade feminina em um ambiente
opressivamente masculino; etc.
Aos
poucos, toda a possibilidade de permanência nos tempos e espaços
do filme é descartada pela necessidade do drama, sem margens para
sutilezas ou parcialidades. A aparente vontade primeira de dialogar
com alguns caminhos mais férteis do cinema contemporâneo vai minguando
ao melodrama made for TV, com suas grandes questões, destinadas
sempre à redenção. Hoje, já sabendo que O Último Verão de La
Boyita
saiu como o grande vencedor desta edição do Cine Ceará, é inevitável
olhar para ele fora de sua insignificância, como parte desse cinema
que encobre, com um véu de suposta sofisticação, seu falso coração
noveleiro. O Último Verão de La Boyita
é sintoma dessa domesticação desejada do cinema de autor, que
conserva um ou outro traço de sua aparência, enquanto extermina
por completo a inquietude de seu espírito.
Julho de 2010
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