Cilada.com, de José Alvarenga Jr. (Brasil, 2011)
por Pedro Henrique Ferreira
Popular?
Recentemente,
a vontade de se engendrar uma indústria cinematográfica
brasileira que se aproxime do público é deveras
evidente por um certo filão do cinema nacional, o qual
Cilada.com adentra como exemplo elementar. Uma empreitada
tão nobre, de suma importância em um país
onde grande parcela da produção contemporânea
ainda não se faz auto-sustentável, luta por apoios
governamentais, encontra algum eco num circuito fechadíssimo
no exterior e mantêm grande parte das salas de exibição
esvaziadas, termina esbarrando em seu próprio corpo de
modo tão gritante, pondo a perder toda a elegância
de sua meta.
Com o longa-metragem dirigido por José Alvarenga Jr., roteirizado
e encenado por Bruno Mazzeo, tem-se em mãos mais uma adaptação
televisiva, inspirada na série homônima, que deixou
de fazer aquilo que denomina o próprio exercício:
adaptar. A brincadeira barata e despretensiosa de Cilada.com
não sairia tão cara se nela, junto a outros filmes
como Os Normais, A Grande Família - O filme,
ou Se eu fosse você 2, não se tornasse evidente
o quanto este projeto de indústria é na realidade
uma forma de transformar a arte cinematográfica em arte
televisiva, ocupando o espaço da sala escura com algo que
não pertence a ela. Assim, estende-se a duração
de um episódio da série, tal qual fosse um "especial
de natal", mantendo não apenas os padrões estéticos
e formais, mas também o posicionamento ideológico,
a realidade que ele nos transmite e a partilha política
à qual adere justamente no mesmo âmbito de um projeto
midiático tão típico das emissoras nacionais.
Os
temas sérios e tabus (a internet en passant ou
a egolatria do personagem de Mazzeo que se resolve com uma declaração
de amor fajuta) que propõe abordar são imediatamente
dispersados em favor da manutenção de um ritmo narrativo
irredutivelmente acelerado e uma metralhadora de piadas médias,
velhas conhecidas nossas, que escondem a fraqueza de sua estrutura
interna, de sua possibilidade de ofertar um pouco mais do que
algo pra sanar o tédio. A encenação vem repleta
de signos televisivos e engendra personagens estereotipados, espelhos
de classes sociais ou figurinhas típicas investigadas somente
na superfície, que não exigem do espectador compreensão
ou maturação.
O que salta aos olhos de maneira ostensiva é o desleixo
em se pensar o gesto de adaptar e adequar o formato da telinha
para as salas de cinema. Isto, mais uma vez,
só evidencia a grande preguiça que há em
se pensar adequadamente como se formar um cinema de uma verdadeira
matriz popular no país. A matemática aqui soa demasiadamente
simples: o termo popular é entendido como "o que o
público quer ver". O público brasileiro deseja
a televisão, e com ela consegue se relacionar. Por que
não transmitir justamente o mesmo projeto estético,
realizado com os mesmos recursos, mecanismos narrativos, atores
e realizadores, trabalhados sob um mesmo regime moral para ocupar
um outro espaço de produção e exibição?
Frente ao panorama que uma obra como Cilada.com nos permite
entrever, não seria equivocado se pedir uma reavaliação
(e resgate) do lugar da sala da exibição e sua função
social, tanto quanto desta definição paralizante
que o cinema comercial nacional dá ao termo "popular"
na atualidade.
Julho de 2011
editoria@revistacinetica.com.br |