in loco - cobertura dos festivais

A Cidade Abaixo (Unter Dir Die Stadt),
de Christoph Hochhäusler (Alemanha/França, 2010)

por Filipe Furtado

A questão moral

Existem muitas ficções possíveis sobre a crise econômica mundial, mas poucas tomam forma como a deste terceiro longa-metragem de Christoph Hochhäusler. Nem tanto porque o cineasta alemão decide situar seu drama em meio aos corredores do poder de uma grande instituição financeira, algo que qualquer Oliver Stone faz, mas porque todo o seu interesse reside na moral deste poder. Não se trata de dar rosto à figura do banqueiro e suas decisões, mas de levantar uma pergunta simples (mas que passa sempre ao largo destas discussões): qual é exatamente a moral de um meio que lida sobretudo com a abstração dos números?

Para respondê-la A Cidade Abaixo faz a mais simples das operações dramáticas: coloca o banqueiro diante de um problema concreto que exige dele uma reação passional. Roland encontra numa recepção com Svenja, a esposa de um dos seus mais novos funcionários, e decide que precisa tê-la. De tudo que o filme nos permite presumir, nós estamos distantes de um homem habituado à corte romântica. Sua lógica inevitável é de tratar a conquista por via de um longo estratagema comercial. Cada movimento deliberadamente calibrado e pensado para efeito posterior. A trama banal de folhetim recontada sobre a lógica do balanço comercial. Hochhäusler filma tudo de forma atenta, clínica, capturando como todos os mais diversos interesses e manipulações daquele espaço de trabalho são subvertidos por uma agenda privada que não tem nenhuma relação com a eficiência ou o carreirismo que costuma mover-lo. Numa das melhores seqüências do filme, Roland manipula uma reunião para apontar o homem certo para um cargo e todos à sua volta, incluindo aquele consciente de que seu comportamento esconde uma jogada política, seguem totalmente ignorantes de que, por trás da sua lógica, esconde-se pouco mais que o desejo de uma escapada de fim de tarde num hotel de luxo.

A Cidade Abaixo parte deste principio de colocar este olhar diante de uma questão tão distante das planilhas com que ele lida normalmente para catalogar como ele entra em curto. Começa previsivelmente com Roland com todo o poder e termina igualmente previsível com ele se dissipando. A moral da eficácia exata só é útil até certo ponto numa relação concreta, a certa altura ela já não consegue se sustentar. A Cidade Abaixo não é uma fita romântica, mas um romance de desastre. Seu verdadeiro interesse é a cidade do título, que permanece majoritariamente às bordas do plano. É anatomia de um desastre pelas portas do fundo.  A nossa tragédia é que esta moral, esta visão de mundo, que se imagina tão prática é no fundo tudo menos isso. O resultado inevitável nós conhecemos. O “enigmático” plano final de A Cidade Abaixo é no fundo seu mais claro e direto.

Novembro de 2010

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