Chega de Saudade, de
Lais Bodansky (Brasil, 2007) por Lila Foster
Ser
ou não ser - popular
Quando
Chega de Saudade recebeu o prêmio de melhor filme pelo júri popular no Festival
de Brasília de 2007, instaurou-se uma polêmica acerca da distância entre o gosto
do público, uma maioria que ovacionou o filme de Laís Bodansky, e o júri oficial,
que premiou Cleópatra, de Julio Bressane, optando assim por um tipo de cinema um
pouco mais distante do gosto do público em questão. Um lado perceberia a comunicação
como algo extremamente importante e constitutivo da própria obra e o outro privilegiaria
a expressão do artista sem medir as conseqüências da sua recepção. De
fato, Chega de Saudade tem claramente um projeto de comunicação,
buscando uma imersão do espectador no espaço esmiuçado pela câmera de Walter Carvalho:
um salão tradicional no qual senhoras e senhores investem, nas poucas horas de
duração de um baile, suas energias amorosas e sexuais em histórias de encontros
e desencontros. Os vários núcleos narrativos revelam informações sobre o funcionamento
específico do lugar, os códigos de conduta e comportamento que aos poucos vamos
apreendendo junto com Bel, personagem interpretada por Maria Flor. Este “ensinamento”
vem acompanhando também de um retrato bem interessante da maturidade e da velhice,
dos dilemas da solidão e do desejo quando não se tem mais o mesmo encantamento
da juventude ou quando os parceiros já estão distantes demais. Com um ótimo trabalho
dos atores e uma trilha musical que mistura hits
de diferentes épocas e estilos, o filme oferece uma série
de fatores de atração e simpatia. No
entanto, existe algo que parece nos distanciar, como se a adesão e o mergulho
não pudessem se dar de forma completa. A câmera, ao se mover freneticamente entre
os objetos em cima da mesa, as alças dos vestidos e os sapatos, emula um olhar
curioso vagando pelo espaço e pelas pessoas como uma subjetiva, porém sem referente
no interior da história. Tal movimentação nos remete ao olhar-câmera do fotógrafo
nos momentos em que o trabalho de câmera parece estar muito calcado no improviso
ou quando o olhar da diretora parece enquadrar de acordo com o encadeamento de
causas e efeitos (um enquadramento no qual vemos um fio desconectado em primeiro
plano e Paulo Vilhena desfocado ao fundo nos indica que logo teremos um problema
com o equipamento de som). Este fato, unido a um considerável esquematismo do roteiro e suas respectivas ilustrações
musicais – música de malandro para o galanteador Eudes (Stepan Nercessian) e música
de ciúmes para a agonia de Marici (Cássia Kiss) – tornam a direção e o roteiro
muito visíveis quando o que se pede é uma imersão e uma certa invisibilidade dos
procedimentos. O que é entendido como projeto,
e de certa forma pauta a expectativa em relação ao filme, aparece já nos primeiros
minutos de projeção de maneira muito auto-consciente. Ironicamente, essa transparência
na vontade de se fazer um filme no qual o espectador saiba por onde deve caminhar
acaba por gerar distanciamento. O filme pode ser sim muito envolvente, desde que
o convite de imersão no baile Chega de Saudade seja aceito logo no seu começo.
Para quem vai aderindo aos poucos ficam os bons momentos, como a cena final em
que Marici cede à lábia irresistível de Eudes.
Abril de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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