Quando Estou Amando (Quand j’étais
chanteur), de Xavier Giannoli (França, 2006) por
Fábio Andrade Sobre o palcoA
transcriação livre por parte dos tradutores que fizeram Quand j’étais chanteur
(“quando eu era cantor”) virar Quando Estou Amando desvia o eixo do filme
de Xavier Giannoli de seu interesse principal: a idéia do être – assim
como o to be, em inglês, verbo que serve tanto para “ser” quanto para “estar”
– artístico encarnado pela figura Alain Moureau (Gerard Depardieu). A
mudança é curiosa, pois o amor romântico funciona, no filme, mais como gatilho
do que como centro nervoso: quando um cantor de baile à beira dos 60 se envolve
com uma garota com, pelo menos, metade de sua idade (Marion, interpretada por
Cécile de France), Giannoli realiza um Encontros e Desencontros às avessas.
A aproximação com o filme de Sofia Coppola se dá pela inversão de interesses:
enquanto, em Encontros e Desencontros¸ existe uma construção de afetos
e tensões que põem em crise a idéia da consumação amorosa, no filme de Giannoli
é a partir dela que a relação e suas complicações nascem. Seduzida à cama pelo
carisma de Moureau em cima de um palco, Marion passa a lidar com a perseguição
simpática do cantor de baile decidido a construir, do desejo pontual de uma noite,
uma relação com a jovem. A consumação romântica na primeira noite gera uma idéia
de relação perseguida por um e afastada pela outra, e, dessa tensão, o que nasce
é a possibilidade de uma outra relação, de um outro amor. Mais
interessante, porém, é a maneira como Giannoli se aproxima de um universo tão
carente de olhares generosos no cinema: o dos cantores micro-populares. Se é raro
vermos abordagens da música popular em que não sobrem ironia ou nostalgia, o interesse
pelo universo da chanson popular francesa, aqui, não se dá pelo imaginário
coletivo – como em Amores Parisienses, de Alain Resnais, ou no trabalho
de Christophe Honoré – mas sim pelo cotidiano de quem a vive em sua realização
mais concreta, inventando glamour sem nunca tirar os pés do chão. Nesse
sentido, é notável como o espaço do palco é revelado por uma decupagem mais ágil,
cheia de vida, enquanto os bastidores são esfriados e alongados pelos planos mais
longos e as composições de menor mobilidade, aproximando esses momentos das enfadonhas
buscas por apartamentos, ou do estático absoluto que encerra os cuidados estéticos
(o bronzeamento artificial, as luzes no cabelo, etc). Esse
interesse retoma a questão proposta pelo título original, onde o passado do verbo
é posto em xeque pelo que vemos na tela. A idéia desse “ser” artístico é colocada
em oposição à possibilidade oferecida pelo tempo que passa, pelo mundo que muda
e deixa, pelo caminho, restos de tempos passados. A diferença é que o “ser” artístico
simplesmente o é. Embora reconheça não mais soar junto a um grande público (a
cena em que o cantor desiste de seu maior show evidencia isso), Moureau sabe que
é cantor, que sua voz faz parte da vida de um grupo de pessoas, e que isso
não está sujeito às marés do tempo. É uma condição anterior que, por sua fé, sobrevive
a todo tipo de limitação que o tempo coloca em seu caminho. O
salto é essencial, pois Quando Estou Amando se revela, nesse momento, um
filme sobre a maturação do olhar – o olhar de Marion e, em conseqüência, o do
espectador. É ela quem se entrega ao magnetismo de Moureau no início do filme,
e que, posteriormente, passa a rejeitá-lo pelo excesso de preconceitos. A jornada
do filme é a da destruição desses preconceitos, sem a entrega ao “viveram felizes
para sempre” que só parece encontrar felicidade em um relacionamento romântico
duradouro. O amor que nasce entre Marion e Moureau é de outra natureza, e acaba
se mostrando muito mais forte do que a simples atração física que promovera a
colisão de corpos em um primeiro encontro. Essa trajetória funciona mais como
espiral do que como círculo: se existe um retorno às redondezas daquele primeiro
magnetismo, ele só é mais forte por ter sobrevivido aos preconceitos que Marion
vai, aos poucos, se livrando em sua jornada. E o mesmo pode-se dizer da relação
do espectador com aquelas personagens. Kim Gordon, baixista
da banda Sonic Youth, uma vez disse que as pessoas pagam ingresso em um show para
verem outras pessoas acreditando nelas mesmas. De certa forma, Xavier Giannoli
parece chegar, nesse filme, a essa mesma conclusão. Assim que é retirada a cortina
prateada que faz o fundo no palco, passamos por um choque de realidade: o cantor
volta a ser um sujeito que busca, a todo custo, continuar em atividade, em um
malabarismo que equilibra questões financeiras, artísticas, mundanas, e que tais.
Para entendermos isso, precisamos descer do palco para presenciar, junto a Alain
Moureau, uma oferta para fazer um show no formato karaokê. Acompanhamos seu canto
junto às bases programadas, assim como ganhamos vista privilegiada de sua fuga
à mesa de som para, no meio do show, ajustar, ele mesmo (pois não houve dinheiro
para contratar um técnico de som), o volume de sua voz. Mas,
ao fim do filme, Moureau e banda sobem ao palco novamente, e o que Giannoli faz
é uma declaração de princípios: apesar de termos visto o personagem sujar as mãos
nos bastidores de sua própria sobrevivência, todo o magnetismo que fizera Marion
(e o espectador) se encantar com ele naquele primeiro contato lhe é magicamente
devolvido, em carisma senhor de seu próprio habitat. Assim como ela, voltamos
a nos encantar com a presença de Moureau, com a certeza de que essa força nada
tem a ver com glamour. É algo mais. Algo impreciso e difícil de colocar
em palavras, mas que nos faz voltar àquele espaço um sem número de vezes, apenas
para vê-lo acreditando em si mesmo. Junho de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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