Na última década, sobretudo após os movimentos antiglobalização,
destacou-se a figura do cyberativista que ainda não foi,
porém, suficientemente caracterizada. De um lado, há os
estudos da área de comunicação que inevitavelmente atribuem
demasiado valor ao meio técnico, ou a avalanche de metáforas
sedutoras, mas pouco explicativas, comemorada pelos suplementos
jornalísticos de cultura dominical. Do outro, há os trabalhos
sociológicos que não se aventuram a desvendar o novo sob
o risco de perder, em meio às forças do dinheiro, a pouca
legitimidade que lhes resta: a acadêmica. O cyberativismo,
longe de ser uma palavra a mais, permite a compreensão
da cultura política contemporânea sob a perspectiva da
transnacionalidade e da produção de imagens, possibilitando
a definição de um novo tipo de cidadania (cibernética)
que explora a dimensão dos direitos políticos à participação,
manifestação e expressão da opinião sem o reconhecimento,
no entanto, de um Estado Nacional. Sob o ponto de vista
teórico da sociologia da cultura, o cyberativismo nos
incita a dar continuidade à discussão sobre o indivíduo
moderno. Todavia, as teorias da modernidade não nos respondem
satisfatoriamente ao tomarmos como objeto heurístico uma
organização como o Greenpeace. Pesquisas empíricas indicam
um acentuado desencaixe entre o conceito de indivíduo
moderno e os sócios do Greenpeace que participam de fóruns
virtuais. O artigo que apresento visa, deste modo, explorar
novas possibilidades de solução teórica a partir desta
inquietação. Afinal, como compreender o indivíduo que
tenta resistir aos paradigmas da ciência política e da
sociologia contemporânea, aos problemas ambientais e às
restrições culturais à participação em seu próprio destino?
Como, na teoria, fazer justiça a este esforço individual
levando-o mais em conta que a aparente ausência de resultados?
O Greenpeace e a Mídia
O
Greenpeace surgiu quando treze ativistas partiram de
barco do Porto de Vancouver, Canadá, rumo às Ilhas Aleutas,
Costa do Alasca, com o objetivo de chamar a atenção
da opinião pública para os testes nucleares realizados
pelos Estados Unidos. Em 15 de setembro de 1971, o barco
zarpou diante de jornalistas e câmeras de televisão
[1] . A tripulação
embarcou em clima de festa, com orquestra de rock, presença
de vários canais de televisão e jornalistas vindos de
todo o Canadá [2] . O grupo, que incluía canadenses e americanos,
alugou um pequeno barco, o Phyllis Cormack, e navegou
em direção à área de testes, próxima a Amchitka, a 3.800 quilômetros
de Vancouver. A ação, de repercussão internacional,
teria levado o departamento de defesa dos Estados Unidos
a fechar, em fevereiro de 72, a área de ensaios atômicos
no Alasca.
Na tripulação, havia dois
jornalistas, um locutor de rádio e um fotógrafo com
a missão de documentar os acontecimentos. Entre
eles estava Robert Hunter, colunista do jornal canadense
Vancouver Sun, Ben Metcalfe, comentarista do
Canadian Broadcasting Corporation (CBC), Bob
Cummings, repórter da imprensa alternativa, The Georgia
Straight, e um fotógrafo independente, Robert Keziere,
estudante de química.
[3] Em 30 de setembro, a tripulação foi presa
pela Guarda Costeira Americana na Ilha Akutan e expulsa
da região. Ao voltar para Vancouver, os pioneiros estavam
nas manchetes de jornais do Canadá e Estados Unidos.
Foram acolhidos com bandeirolas “obrigado, Greenpeace”
e festejados como heróis por três dias. Os testes americanos
posteriores passaram a realizar-se no Deserto de Nevada,
e Amchitka se tornou um santuário ecológico.
[4]
Após esta primeira ação em Amchitka, a
campanha do Greenpeace contra os ensaios nucleares se
desloca para Mururoa, a 5.000 quiilômetros da Nova Zelândia,
cuja população de marinheiros e pescadores se opunha
aos testes atômicos na região. A segunda campanha é então realizada em 1972, quando o núcleo Greenpeace
de Vancouver publica um pequeno anúncio num jornal neozelandês
solicitando um barco e voluntários para protestar contra
os ensaios nucleares franceses.
O ex-empresário David McTaggart, canadense
que havia morado em Vancouver, estava na Nova Zelândia
e tinha um veleiro, leu o anúncio e se ofereceu ao Greenpeace.
Em 30 de abril de 1972, McTaggart e uma tripulação de
duas pessoas deixa a Nova Zelândia rumo à Mururoa, no
Pacífico Sul. [5] Em 7 de julho, o veleiro é abalroado na
zona de teste. McTaggart entra na justiça contra o governo
francês em busca de indenização e escreve um livro contando
a experiência de viagem. [6]
Em
junho de 1973, o barco é reparado e zarpa novamente.
Em 15 de agosto, a Marinha Francesa invade o barco e
espanca violentamente os dois tripulantes, inclusive
McTaggart. A truculência do governo francês é fotografada
e divulgada internacionalmente.
[7] As fotos são publicadas em jornais de
mais de vinte países e causam forte comoção junto à
opinião pública. Em setembro de 1974,
a França anuncia que todos os
testes serão subterrâneos.
A partir de 1975, o Greenpeace abandona
temporariamente a luta contra os ensaios nucleares e
se volta à proteção das baleias. Em 1973, Paul Spong,
um jovem neozelandês pós-graduado em neurociências na
UCLA (University of California, Los Angeles),
torna-se célebre em Vancouver. Assim que começa seu trabalho no Aquário
da cidade, onde estudava o comportamento das orcas,
afirma que a baleia em observação lhe dizia, através
de sinais, que desejava ser devolvida ao oceano, pois
apenas lá conseguia sentir-se verdadeiramente livre.
Esta declaração, quando divulgada pela imprensa, colocou
fim ao seu contrato com o Aquário, mas lhe deu certa
notoriedade entre os militantes pela libertação animal.
[8]
Graças aos amigos do meio ambientalista,
Paul Spong consegue introduzir-se no Greenpeace e convencer
os responsáveis pela organização a dedicar suas campanhas
contra a caça às baleias. Em 27 de abril de 1975, os
militantes do Greenpeace saem com seus dois barcos,
o Phyllis Cormack e o Vega, em direção ao local de caça.
A partida é comemorada com uma festa que reúne 23.000
pessoas e, na chegada a São Francisco, são acolhidos
como heróis pela imprensa americana.
Em 1976, um barco do Greenpeace encontra
uma frota baleeira soviética e a afronta durante dez
dias. De volta, o grupo constata que sua audiência aumenta
regularmente e que esta campanha faz imenso sucesso
junto ao público. Desde então, o Greenpeace se lança
ao mar todos os anos no período de caça às baleias,
em fins de dezembro. Os pescadores soviéticos, japoneses,
noruegueses e islandeses têm sido alvo constante do
Greenpeace. O primeiro filme da campanha pela proteção
às baleias foi difundido em todos os canais de televisão,
não somente nos Estados Unidos e no Canadá, como também
na Europa e no Japão. A baleia acabou se tornando um
dos emblemas da ONG.
Desde
71, muitos ativistas foram agredidos e presos. O caso
mais grave foi o do fotógrafo português Fernando Pereira,
assassinado em 10 julho de 1985, quando o Rainbow Warrior,
barco-símbolo do Greepeace, sofreu um atentado à bomba
no Porto de Auckland, Nova Zelândia, perpetrado por
elementos da Direção Geral de Segurança Exterior, o
serviço de inteligência francês. O Rainbow Warrior sairia
de Auckland até Mururoa em protesto contra os testes
nucleares franceses. A repercussão pública do evento
comprometeu as relações franco-neozelandezas e levou
à renúncia do Ministro de Defesa francês, Charles Hernu.
[9]
Após o atentado contra o Rainbow Warrior,
houve um apoio sem precedentes ao Greenpeace que se
reverteu num significativo aumento das filiações e do
montante das doações vindas de vários países. O navio
participara, pouco antes, da missão de retirada dos
habitantes do Atol de Rongelap, Pacífico Sul, contaminado
por radioatividade proveniente dos testes nucleares
americanos. Estes anos prósperos culminaram no lançamento
do novo barco, o Rainbow Warrior II, e na mudança de
sede do Greenpeace Internacional, de Sussex, para Amsterdã.
[10]
O mundo do Greenpeace
Uma campanha precisa conter elementos simbólicos
sugestivos, além de ser apenas importante. O mar é um
exemplo. A luta contra testes nucleares, despejo de
material radioativo no oceano e contra a caça de baleias,
focas e golfinhos, estão relacionadas ao mar. Este é
um dos elementos mais importantes da cosmologia do Greenpeace,
pois articula todos os outros: flora e fauna, barcos,
atividades humanas, poluição, continentes, paisagens,
internacionalidade, além de ser uma reserva de imaginação.
Diretamente associados ao mar estão os
barcos que o Greenpeace exalta como extensões virtuais
da própria organização. A ONG se apresentava como um
navio aos afiliados, publicando periodicamente o seu
Diário de Bordo, um relatório trimestral de atividades.
Nos folders e sites, o Greenpeace descreve
seus barcos como heróis, com nome e história. As “fichas
técnicas”
[11] de cada um são acompanhadas do relato
de suas vidas. Eles não são apenas instrumentos para
ações diretas performáticas, como carregam uma
personalidade desenvolvida a partir do mesmo espírito
que constitui a organização. Contando sobre os navios,
o Greenpeace fala também de suas aventuras. Os barcos
ajudam a estruturar a narrativa e a compor a mitologia
da ONG, com seus guerreiros, batalhas, vitórias e tragédias.
O
MV Greenpeace, que integra a frota desde 1985, “foi
o primeiro a navegar pelo Rio Amazonas em defesa da
floresta, protestou contra testes nucleares franceses,
estabeleceu a base do Greenpeace na Antártida, enfrentou
baleeiros japoneses, desembarcou ativistas em local
secreto de testes nucleares soviéticos, flagrou e documentou
navios russos despejando lixo radioativo no Mar do Japão,
foi atingido pela Marinha Americana ao protestar contra
mísseis nucleares”. [12]
No mundo do Greenpeace, os barcos não são
apenas abalroados, detidos, mas “presos” como pessoas
ou animais, expressão que supõe uma vontade natural
de libertar-se. Solo, “o mais novo da frota (1991),
documentou o derramamento de petróleo nas ilhas Shetland,
protestou contra a exploração de petróleo no Mar de
Bhering, atrasou testes de mísseis nucleares ingleses,
foi preso pela Rússia por denunciar despejo de lixo
radioativo no mar e outra vez preso na Noruega por defender
as baleias”.
Chegam até mesmo a aposentar-se: “Vega,
integrado à frota em 1981, veleiro heróico, inaugurou
a campanha contra os testes nucleares franceses no Pacífico,
participou de diversas ações, principalmente anti-nucleares,
foi preso duas vezes por autoridades francesas por lutar
contra testes e bombas atômicas e aposentado em 1992”.
É
como se os barcos tivessem individualidade, livre arbítrio
e responsabilidade. Neles, a tripulação se dissolve.
Moby Dicky, incorporado à frota em 1984, “bloqueou”
navios nucleares em porto holandês, “protestou” contra
usinas nucleares na Europa, “liderou” a campanha por
mares livres do perigo nuclear e foi “preso” na Noruega
por defender as baleias.
Assim como nos filmes sobre o herói missionário
que desafia a lei em nome da justiça, para os barcos
do Greenpeace há momentos de ação, fuga espetacular
e sofrimento. Rainbow Warrior, o barco-símbolo do Greenpeace
que entrou em operação em 1979, “participou” de ações
contra a caça de baleias na Islândia, contra o despejo
de lixo nuclear nos mares pela Inglaterra, contra o
massacre de bebês-foca pelo Canadá, “retirou” os habitantes
da Ilha de Rongelap, contaminada por radiação nuclear,
foi “preso” pela Marinha Espanhola por proteger as baleias
e “fugiu espetacularmente da Espanha” antes de “sofrer”
o atentado à bomba pelo Serviço Secreto Francês que
o afundou em 1985.
Curiosamente,
a personalidade dos barcos é mais forte que sua estrutura
física. Uma vez formada, ela pode ser transferida a
outras embarcações sem qualquer prejuízo de caráter.
Isto aconteceu com o Rainbow Warrior. Depois de afundado,
o barco foi substituído como numa segunda encarnação.
“Lutou contra as grandes redes de arrastão em alto mar,
contra o transporte de plutônio pelo Japão, em defesa
das florestas, contra os produtos químicos tóxicos e
em defesa da paz. Bloqueou o Porto de Aracruz no Espírito
Santo, protestou contra usinas nucleares de Angra dos
Reis, foi destaque da Eco-92 no Brasil e preso por tentar
invadir a área de testes nucleares franceses no Pacífico
Sul”.
Ao mesmo tempo, um barco inimigo pode tornar-se
um fiel militante pelas causas do Greenpeace ao ser
simplesmente batizado com outro nome. Uma vez nomeado
novamente, o barco renasce, sem nenhuma memória de sua
vida passada. Assim foi com o Arctic Sunrise. Construído
em 1975 para caçar focas, era um dos alvos do Greenpeace
nos anos 80. Lançado em junho de 1996, começou imediatamente
um tour pelas plataformas de petróleo inglesas
e norueguesas no Mar do Norte [13] como se nada tivesse acontecido.
O
espírito de uma embarcação, definido pelo nome, pode
ser emprestado de um animal. Em 1984, o Greenpeace Alemanha
comprou um barco construído em 1961, para fazer um trabalho
científico nos rios, portos e águas costeiras da Europa.
O navio foi batizado de Beluga, em homenagem à pequena
baleia branca que viveu em rios da Europa até se tornarem
tão poluídos que elas não mais puderam sobreviver.
No mundo do Greenpeace, tecnologias, humanidade
e natureza se indistinguem. Tem valor o que guarda uma
história, contada e recontada, reconhecida como legítima,
ainda que não completamente verdadeira. A cada vez que
a organização se apresenta, volta ao passado, reconstrói-se
por meio dos barcos e de alguns dos seus heróis fundadores.
A narrativa deve suscitar imagens, traduzidas em cada
país e adaptadas a realidades distintas, porém igualmente
articuladas pelo propósito de sedução.
Assim como os navios, os botes infláveis
de alta velocidade, chamados Zodiac, tornaram-se emblemas
do Greenpeace. Sua agilidade e pequeno tamanho geralmente
protagonizam a luta ecológica sobre as águas. A cena
dos botes desafiando grandes navios caçadores é recorrente.
Nos vídeos produzidos pelo Greenpeace, eles se alinham
à frente das embarcações, ouvem-se barulhos de motor
e buzinas pedindo passagem. Os caçadores atiram fortes
jatos d’água nos ativistas para que se afastem. Com
a força da água e as ondas produzidas pela proximidade
dos navios, o bote vira e os ativistas caem no mar gelado
da Antártida. Enquanto isso, a baleia morta e sangrando
é içada. As baleias aparecem sendo cortadas e a água
vermelha de mar e sangue é bombeada através dos canais
laterais de escoamento do navio-fábrica. Um homem, do
mirante, posiciona o arpão a ser atirado em outra baleia.
A
primeira ação deste tipo ocorreu em 1975, quando o Greenpeace
enviou Zodiacs que se colocaram entre o baleeiro Dalny
Vostok e as baleias. O Dalny disparou o arpão por cima
da cabeça dos ativistas, gerando uma das imagens mais
famosas [14] . A cena se repetiu em 14
de janeiro de 2006. O bote inflável do Greenpeace foi atingido pela linha do arpão atirado
pelo barco Yushin Maru Nº 2, que passou aproximadamente
a um metro de distância dos ativistas. A baleia atingida
morreu quase instantaneamente e, ao afundar, foi para
baixo do bote, onde a corda do arpão ficou enganchada.
Quando os baleeiros puxaram a baleia, a corda atingiu
o piloto e o jogou para fora.
Quando o Greenpeace vai à Antártida, leva
uma ilha de edição e um laboratório fotográfico. Produz
suas próprias imagens de vídeo e fotografia que são
depois selecionadas e distribuídas por satélite para
jornais, revistas, sites e TVs do mundo inteiro.
Os navios são tripulados por profissionais contratados
entre os membros mais competentes da Marinha de Guerra
e da Marinha Mercante, além de pescadores experientes. [15] O Greenpeace tem o controle sobre a montagem,
direitos autorais e utilização das cenas que produz.
A estratégia utilizada pelos pilotos do
bote é a de ficar sempre na mira do arpão. Os militantes
são expostos a um duplo perigo: de serem atingidos acidentalmente
pelo artilheiro ou pelo cabo tensionado no momento em
que a baleia atingida se debate. Neste
confronto, é a câmera que protege os militantes. Durante
as primeiras ações do Greenpeace, o cameraman
se encontrava sobre o bote, muito exposto, filmando
e participando da ação simultaneamente. Mais tarde,
mudou-se a estratégia: os ativistas colocam um zodiac
entre o barco arpoador e a baleia, impedindo o tiro
pela presença, enquanto um segundo bote, mais recuado,
filma a cena.
O
êxito está garantido se a ação for espetacular e traduzir-se
em fluxo de financiamentos
[16] . Não importa se as baleias que aparecem
nas fotos e vídeos serão salvas. As fotografias descontextualizam
os eventos e assim intensificam sua força de impacto.
Os quadros são tanto mais impressionantes quanto conseguem
suspender o tempo e universalizar o espaço, transportando
o espectador à dimensão mítica de um presente contínuo
e absoluto. O mais importante é que as cenas mostrem
que o Greenpeace está tentando impedir a caça, e todos
os movimentos dos botes e dos ativistas são forjados
em função disto. Para que o espetáculo aconteça, é preciso
provocar os baleeiros e esperar que sua reação, mais
ou menos previsível, desencadeie novas cenas ensaiadas
de confronto pacífico. Neste jogo, os militantes do
Greenpeace são treinados para jamais usar de violência
ou aparentar qualquer gesto agressivo, mesmo em situações
que julgarem intimamente defensivas.
O Cyberativista do Greenpeace
Como o “telespectador de chinelos”
[17] de Edgar Morin, que se projeta nos espectros
da TV, ser sócio do Greenpeace é estar conectado a todos
os cantos onde a organização tem escritórios ou realiza
ações de campanha. Como um tipo especial de mídia, o
Greenpeace “fantasmaliza o espectador, projeta seu espírito
na pluralidade dos universos figurados ou imaginados,
faz sua alma emigrar para os inúmeros sósias que vivem
para ele. (...) Estes sósias vivem em nosso lugar, livres,
soberanos, eles nos servem de consolo para a vida que
nos falta, nos servem de distração para a vida que nos
é dada”
[18] .
Na
perspectiva do afiliado, uma ONG internacional que produza
imagens pode lhe servir de extensão, assim como a mídia
de McLuhan
[19] . O Greenpeace reorganizaria o sensorium
dos indivíduos. Suas ações diretas, textos, slogans,
barcos e balões substituiriam as faculdades clássicas
da cidadania: autonomia da razão, palavras e atos. Os
pontos de acesso [20] , entendidos como pontos de contato entre
coletividades leigas e representantes de sistemas abstratos,
através dos quais a confiança (no Greenpeace) pode ser
mantida e reforçada, são poucos e quase todos virtuais.
Os escritórios nacionais da organização são restritos
à permanência dos funcionários e os 2,8 milhões de colaboradores
(22 mil no Brasil) de 158 países (dos quais 41 têm escritórios
nacionais) não são consultados e em nada ajudam a definir
os rumos da organização, as prioridades de campanha,
o uso dos recursos, os tipos de ação ou a forma como
a ONG se estrutura. O espaço de encontro entre os cyberativistas
é, virtualmente, o próprio objeto da organização: a
Terra.
O ciberativismo pressupõe, portanto, um
tipo de cidadania que não se restringe ao pertencimento
à cidade ou ao território nacional. Ele nos sugere uma
nova cultura de ligação individual com o mundo. O “mundo”,
porém, não é aquele do sentido puramente cosmológico
ou identitário, o universo que nos situa socialmente,
organiza nosso modo de pensar e as divisões do clã
[21] . O universo deste ser político, o cibercidadão,
é a Terra em sua existência material e finita, que corre
riscos, pode ser fotografada e está submetida às leis
da natureza que são independentes da vontade, da tradição,
da fé e da cultura. Embora este cibercidadão possa sofrer
de modo diferente e em cada lugar cultural e geográfico
os problemas ambientais, está igualmente sujeito às
mudanças ecológicas. Por trás do cidadão abstrato e
a rigor muito pouco ativo, revela-se um planeta demasiadamente
real que se impõe, cada vez mais, às existências individuais.
Ao mesmo tempo em que se desenha a figura impressionista
do cidadão do mundo, tornam-se mais nítidos os problemas
que ameaçam a todos de maneira sistêmica. As campanhas
de proteção à natureza surgem em todo o globo e ganham
proeminência exatamente quando o indivíduo se imagina
desterritorializado, suspenso.
[22]
Este
novo tipo de ligação cultural não encontra com facilidade
referentes teóricos que auxiliem sua compreensão. A
cidadania pressupõe, normalmente, um Estado. Mas, podemos
dar a ela um sentido mais genérico: o direito de membership,
de pertencimento a uma comunidade. [23] O princípio da cidadania cibernética
é a igualdade de pertencimento à Terra. Estaria, portanto,
muito próxima à idéia abstrata de universalidade que
ignora identidades locais, nacionais, regionais, de
gênero, etnia, classe ou religião, envolvendo-as indistintamente.
Esta cidadania não pressupõe, como o faz Robert Sack,
que “para ser um agente seja preciso estar em algum
lugar”. [24]
No pensamento político ocidental inspirado
na idealização da Grécia Antiga, o conceito de razão,
discurso, ação e humanidade se desenvolvem juntos.
[25] Interiorizamos de tal modo a idéia de
cidadania segundo a fórmula “um homem, uma voz” que
ela hoje nos parece evidente. [26] A cidadania atribuída aos gregos se mistura
profundamente ao ideal de indivíduo do pensamento político
pós-iluminista. Para os gregos, a esfera privada estava
associada à apatia. “Idion era um dos termos
que se opunha à público, ao qual se associava idiotes,
alguém que se encontrava na ignorância das coisas coletivas”. [27]
A cidadania, assim como a individualidade, apenas
poderia realizar-se nos espaços de encontro e atividades
conjuntas. É somente na esfera pública que ela se define,
fora do ambiente familiar. Mulheres, escravos, estrangeiros,
crianças e outros sem cidadania seriam, na antiguidade,
seres privados de individualidade.
Entre alguns grupos indígenas, é possível
também perceber a separação entre privado e público,
e desta derivar um conceito de pertencimento que nos
ajude a compreender melhor a idéia de cidadania. Para
os Krahô, estudados por Manuela Carneiro da Cunha [28] , as crianças, os estrangeiros e os mortos
“não têm juízo”, “vivem desembestados”. São pahamanõ,
ou seja, privados de paham, conceito que também
pode ser traduzido por “vergonha”. Denota timidez, reserva,
autocontrole, observância da etiqueta, distância social,
desempenho dos papéis sociais. Afeta as relações interpessoais
e intergeracionais e regula um campo muito vasto de
atividades. Ser pahamanõ, não possuir paham,
é não ter regras sociais, não saber se comportar, não
ter responsabilidade.
Os mortos não têm paham porque,
para os Krahô, o Karõ, ao desprender-se do homem,
torna-se uma imagem livre, não circunscrita, que não
se remete a uma forma precisa, mas que pode assumir
qualquer forma. No entanto, ele nunca se acha desprovido
de matéria, não é imagem sem conteúdo, mas conteúdo
sem imagem. “O Karõ ‘livre’ é passível de qualquer
metamorfose. É dito que seu aspecto varia com o ‘estágio’
em que se encontra: os mekarõ podem morrer várias vezes
e revestir sucessivamente a aparência de animais de
grande porte, animais de porte menor e, enfim, converter-se
em pedra, raiz, cupim ou toco de árvore”.
[29]
A autora observa que “o espaço dos mortos
é complementar e oposto ao espaço dos vivos (...) Os
mekarõ gostam da escuridão do mato e não da chapada
ou do ‘limpo’, que é a paisagem bonita por excelência
para os Krahô, e corresponde à vegetação do sopé do
morro. Os Krahô são até chamados pelos seus vizinhos
de ‘filhos do limpo do morro’. Os mekarõ, em
contraste, comprazem-se em lugares recônditos e escuros
nos dias de chuva, e temem o sol quente”. [30]
“Os mortos, os mekarõ ou os desprovidos
de paham, ou são relegados ao exterior do espaço
social da aldeia ou são confinados à esfera doméstica.
(...)”.
[31] Os mekarõ quando vêm à aldeia
dos vivos, nunca assomam ao pátio. Ficam, quando muito,
no kricapé, caminho circular que passa à frente
das casas. Segundo a maioria, só entram nas casas pelos
fundos, pela porta que dá para o mato e que, muitas
vezes, não existe.
Os mekarõ têm aparência humana quando estão
em sua aldeia, ou durante a noite, quando gostam de
andar. Se o dia os surpreende, transformam-se em animal,
pássaro, tatu ou outro que cava sua toca e desaparece.
Os mekarõ, de “olho parado e sangue coalhado”, não são
dotados de elementos que caracterizam a vida e o movimento.
Falam fino como os passarinhos, comem e respiram pouco;
sua existência é toda mais tênue e se movem impelidos
pelo vento. Segundo o informante Davi, “o mekarõ
anda no rastro que ele já andou. Se quando era pequeno
vivia noutro lugar, ele volta para os lugares na mesma
ordem (...). Mekarõ só tem lembranças do que
já conheceu, não conhece coisas novas”. [32] Trocando o dia pela noite, eles entram
em contato com pessoas que estão sós. Uma vez que os
mortos são tidos como apartados da comunidade, da aldeia
dos vivos, somente aparecem a quem está pelo menos temporariamente
segregado do espaço social.
Numa perspectiva escatológica do cidadão
cibernético, é possível compará-lo aos sem paham
dos Krahó, sobretudo aos seus mortos. A realização do
indivíduo como cidadão, autônomo, livre e consciente,
capaz de escolher sua própria orientação, apenas se
concretiza no âmbito da esfera pública. No universo
do ciberativista, o ambiente da intimidade e o espaço
da ação política se misturam, assim como o dentro e
o fora, o eu e o outro, o mundo particular e o mundo
comum, o público e o privado. Como repensar a cidadania
nestas novas condições?
O cidadão cibernético aparece como um ponto
de conexão em uma rede. Seu interior é dissolvido nas
imagens que absorve, sem que possa, através dos outros,
ver-se a partir de fora e conhecer seus próprios limites.
Torna-se, assim, mais suscetível às campanhas que anunciam
o fim do planeta e clamam por sua ajuda. A Terra aparece
como um outro ser visto do espaço, algo distante e pequeno,
até mais vivo que ele, suscetível de adoecer e extinguir-se.
É como se o ciberativista pudesse salvá-la através do
clique do mouse em poucos segundos, como um pequeno
deus. Para o ciberativista, é arriscado deixar a tela
e transitar pelos espaços onde circulam as pessoas concretas;
pode dar-se conta de quem é aos olhos dos outros.
“A perda do espaço público significa a
perda da relação objetiva com os outros homens, da noção
de realidade” [33] , da “capacidade
de diferenciar o domínio do eu do que está situado fora”
[34] . Os indivíduos
se encontram isolados no plano espectral
da hiperconexão e, por isso, mais do que nunca, tornam-se
suscetíveis de habitar as realidades que lhes são forjadas
a partir de fora. O ciberativista do Greenpeace
está em relação com conteúdos (informações, conhecimento
científico, discursos políticos, ideologias, imagens,
sons) organizados ou produzidos por esta ONG e distribuídos
em larga escala. Inserido em um sistema técnico, científico
e institucional, o Greenpeace atua como tecnologia que
economiza esforço intelectual dos indivíduos no conhecimento,
interpretação e julgamento da realidade
[35] . Para Lévy, as instituições são máquinas
pensantes que deformam ou reinterpretam conceitos herdados.
A
percepção individual do cyberativista sobre as
questões ecológicas varia segundo o modo como a organização
elabora seus conteúdos. Este sistema de tecnologias
e instituições faz dos indivíduos os pontos últimos
de sua extensão, ao contrário da conhecida fórmula de
McLuhan.
[36] Não são os aparelhos e as instituições
o prolongamento dos nossos sentidos; nós é que somos
o meio através do qual as máquinas e as organizações
operam. Para os sociólogos americanos da década de 50,
o indivíduo moderno não é mais tradition-directed
(orientado pela tradição), nem self-directed
(orientado por projetos pessoais), mas other-directed,
orientado por um “outro”.
[37]
Valores políticos, inspirados na idealização
da Grécia Antiga ou da Revolução Francesa, parecem não
mais sustentar-se. Temos para análise um universo em
que não há autonomia, discurso e ação individuais, encontro
físico entre pessoas, visibilidade, enfim, “espaço público”,
mas que dá continuidade à política, ainda que etimologicamente
ela tenha perdido seu sentido mais original. Deparamo-nos
com o desafio de compreender novas práticas muito distantes
dos modelos conhecidos.
É
o próprio Greenpeace quem assume o papel do ator político
capaz de agir, ser visto através das mídias, levar adiante
a palavra e convencer um grande público pela argumentação
persuasiva. No mundo do Greenpeace, assim como para
os gregos, o espaço da aparência é também o do poder.
A condição de espectador dos sócios é acompanhada da
atividade das instituições. Desta relativa impotência,
a organização retira a sua força. O lugar da ação e
da palavra, no entanto, não são apenas os fóruns de
encontro e discussão. As ações se desenrolam em qualquer
cenário, desde que sejam capazes de produzir imagens.
Os sites nacionais da ONG funcionam
como observatórios de suas ações pelo mundo. Parafraseando
Subirats
[38] , o site do Greenpeace seria para
o ciberativista uma segunda pele, uma segunda consciência,
o órgão de realidade e o princípio da sua realização
como existência aberta ao devir histórico-transnacional.
Através do Greenpeace, o ciberativista vive a experiência
do deslocamento e familiarização com ambientes distantes.
“A distância é experimentada mentalmente enquanto os
corpos sofrem a similitude da vida cotidiana”. [39]
Porém, quando tudo interessa, tudo se indistingue.
Na “atitude blasé”, definida por Simmel
[40] como “embotamento
do poder de discriminar”, o significado e os valores
das coisas, assim como as próprias coisas, perdem a
substância.
Um novo ser político?
Todos estes aspectos, no entanto, são percebidos
pelo ciberativista como um problema a ser eliminado.
Curiosamente, através da filiação, busca-se a superação
da apatia. Ao acompanhar as discussões no Fórum Virtual
para sócios no site do Greenpeace Brasil, observei
que os ciberativistas parecem reagir ao modelo do indivíduo
sem individualidade, alheio, impotente, desterritorializado,
recluso, colonizado por máquinas, orientado por metas
institucionais estranhas e iludido quanto às possibilidades
de participação e transformação social. Paradoxalmente,
ao reagir ao modelo, evidenciam a sua validade e o confirmam.
Para os ciberativistas, se ele não é a descrição da
realidade, há um grande risco de se realizar.
A partir dos diálogos, pude enumerar alguns
aspectos do modelo sociológico de indivíduo moderno
que o sócio, observado empiricamente, tenta evitar.
Estes aspectos, identificados pelos próprios afiliados,
ajudam-nos a definir o que seria esta cibercidadania,
e se podemos ou não considerar o cidadão cibernético
um novo ser político. Cada ponto a seguir resulta de
um confronto entre aspectos da teoria formulada acima
e as falas dos ciberativistas [41]
:
1) Enquanto a teoria insiste na passividade
do ciberativista, ele valoriza ação, entendida como
ação eficaz, soluções verdadeiras: “estamos aqui
reclamando e achando supostas soluções para todos os
problemas, mas na verdade o que importa é a ação, nossa
eficácia em ajudar as floresta, enfim, agirmos! Vamos
postar os emails para contatos!!!!!!!!”.
2) Enquanto a teoria acentua o isolamento,
o imobilismo e a desterritorialização, o ciberativista
busca contatos reais com pessoas dedicadas a atividades
afins e que residam na mesma cidade ou região para realizar
trabalhos conjuntos: “Galera, estou em busca de colaboradores
do ABC pra que possamos montar um projeto de educação
ambiental e tb pra conhecer a galera e saber o que juntos
podemos fazer, blz?! Valeu!!”. “Pessoal queria entrar
em contato com colaboradores de Goias , saber como eh
feita esta colaboração , ou so apenas doação de grana
, quero me engajas em projetos mais sérios em Goias
, ongs goianas , podem por favor entrar em contato pelo
mail yyyyyy@xxx.com”. “Gostaria de pedir ajuda ou opinião
para saber como eu começo alguma atividade voluntária
do Greenpeace aqui no meu estado, Espirito Santo, onde
não possuimos nenhuma sede do Greenpeace. Também
não conheço outras pessoas aqui que estão filiadas ao
Greenpeace. Para se fazer um Grupo Local de Voluntários
é necessário todos estejam filiados ao Greenpeace? Bom,
essas são as minhas dúvidas e se vcs puderem me ajudar
eu ficarei muito grata. Obrigado pela atenção. E muita
paz pra todos.”
3) O ciberativista, não raro, manifesta
valores nacionalistas e xenófobos, opondo-se ao universalismo
atribuído à cibercidadania. “Todos nós temos consciência
de tudo isso... Pelo amor de Deus!!! Temos que tomar
uma atitude drástica sei que estão fazendo lavagem cerebral
nas crianças americanas, pois em seus livros de Geografia
já consta que a Floresta pertence a eles. Qualquer dia
desses vamos ver os mariners atracando em Manaus e matando
todo mundo para reevindicar ¨Suas Terras¨. As crianças
de hoje serão os soldados de amanhã....Tem aldeias onde
os americanos constroem igrejas e catequisam os indios
cobrando entrada nossa (turista brasileiro) para visitar
a aldeia...Estou dizendo porque fui vitima desse despaltério....Estamos
falando muito e fazendo nada a respeito.... O mundo
inteiro está a par e os nossos governantes???”.
“Aqui no Amapá, apesar de termos uma
das áreas mais bem preservada da amazônia. Tente entrar
numa aldeia indígena? se você não tiver a permissão
do "irmão missionário"( leia-se aki americano)
você não entra, se bobear até mesmo os funcionários
da FUNAI E FUNASA estão pedindo autorização para realizar
o precário trabalho de atendimento aos nossos irmãos
índios”. “So para constar como exmeplo em
Sao Gabriel da cachoeira - AM ha indios
q falam alemao....chegam padres la como se aidna estivessemos
no seculo XVI pedem infromacoes sobre a flora fauna
levam ervas medicinais ilegalmente pedras preciosas
e cade o SIPAM????? ele nao servia para proteger nossa
amazonia dos estrangeiros??? Ah e tem outra nao podemos
deixar a amazonia virar cerrado o Governador de Rondonia
eh DOIDO!!! tudo pra ele eh derrubar pra plantar ou
criar gado”.
4) Ele recorre também à tradição familiar
como forma de resolver questões ambientais, opondo-se
ao distanciamento do cibercidadão frente aos valores
tradicionais: “concordo com você! Temos que valorizar
mais o convívio familiar com o almoço/jantar em família. Eu tenho
o privilégio de estar sempre comendo na casa de minha
vó, e a comida dela além de muito gostosa é bastante
saudável. Só pra ter idéia, o pão-de-milho é feito com
milho moído no moinho, na hora. è muito mais saboroso
do que o vendido no comércio, além de mais saudável.
Esse é só um exemplo.”
5) Ao contrário de se acomodar ao ambiente
da casa ou do quarto, ele busca o exterior, a “rua”,
como espaço de ação conjunta: ”Sou novo aqui na
ONG e gostaria de conhecer pessoas que queiram uma ação
mais ativa aqui em POA. Saí pra rua
e fazer o que for possível! Meu msn: yyyy_#####@xxxxx.com”
- “Bom, primeiramente gostaria de avisar que é a primeira
vez que participo do fórum. Gostaria de pedir ajuda
ou opinião para saber como eu começo alguma atividade
voluntária do Greenpeace aqui no meu estado, Espirito
Santo, onde não possuimos nenhuma sede do Greenpeace.
Também não conheço outras pessoas aqui que estão filiadas
ao Greenpeace. Para se fazer um Grupo Local de Voluntários
é necessário todos estejam filiados ao Greenpeace? Bom,
essas são as minhas dúvidas e se vcs puderem me ajudar
eu ficarei muito grata. Obrigado pela atenção. E muita
paz pra todos.=) P.S. Eu pus esse mesmo tópico no forum
Amazonia. Como eu vi q todos estão reunindo aqui, passei
o tópico prá cá”.
6) O ciberativista deseja encontrar uma
motivação existencial, uma causa pela qual lutar, em
oposição ao “embotamento do poder de discriminar” diferentes
interesses, entre os quais os políticos: Como vai
pessoal.....pelo assunto vcs podem desconfiar em que
eu estou interessado,estava lendo todos os assuntos
do forum realmente muito interessante....gostaria da
opinião de vcs já velhos de gerra nessa batalha.Sei
que cada um tem um propósito nessa vida e acho que acabei
de descobrir o meu”.
7) Ele reconhece a condição cibernética
a que está submetido e tenta deixá-la: Não
queria ficar aqui em casa atrás desse computador e dando
somente meu dinheiro e debatendo o que eu acho disso
ou daquilo....gosto de vestir a camisa mesmo..já começei
aqui na minha cidade Poços de Caldas MG, temos várias
trilhas ecológicas aqui sempre saio com um saco de lixo
limpando as trilhas.Gostaria de perguntar o que o pessoal
do grenpeace poderia me orientar alem disso??Minha cidade
é muito linda ela esta sendo destrida pelas mineradoras
de alunínio. Forte abraço”.
8) Por fim, os erros de ortografia
e a nova escrita dos correios eletrônicos chamam atenção
para o fato de que as pessoas que escrevem são verdadeiras
e escapam à abstração teórica de um indivíduo de formação
intelectual e sensibilidade semelhante em todas as partes.
Se esta pequena amostra de sócios, participante
do Fórum Virtual do Greenpeace Brasil, confirma alguns
pressupostos teóricos da modernidade ao tentar negá-los,
ela nos leva, por outro lado, a questionar a modernidade
como paradigma válido para a compreensão do indivíduo
contemporâneo. Afinal, como continuar reproduzindo um
modelo teórico que o objeto claramente recusa?
A cibercidadania talvez expresse uma dimensão
do indivíduo que é simultaneamente cosmopolita, envolvida
pelas coisas do lugar e ansiosa por engajamento, ainda
que por vezes conservador. Para compreendê-la, talvez
devamos experimentar novos modelos que nos permitam
encontrar uma síntese entre a modernidade e a negação
que a sua radicalização produz. Construir um paradigma
que compreenda igualmente a teoria e a exceção empiricamente
observada, isto é, ultrapassar a imagem, é o desafio
do porvir.
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Todas as imagens foram retiradas de
sites e blogs do Greenpeace de vários países a partir
do site de busca Google Imagens, reservando-se os direitos
autorais a esta organização.
LEQUENNE, Philippe. (1997) Dans
les coulisses de Greenpeace. Paris/Montréal: L´Harmattan.
pp.16-17.
O capitão era John Cormack, dono do
barco que levava também Patrick Moore, estudante de
ecologia, Bill Darnell, assistente social, Dr. Lyle
Thurston, físico, Terry Simmons, geógrafo cultural
e um dos fundadores do Sierra Club da Columbia Britânica,
Dave Birmingham, engenheiro, e Richard Fineberg, cientista
político (BOHLEN, Jim. (2001) Making Waves: the
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ORTIZ, Renato (2006) . Mundialização,
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Conforme Hermínio Martins, a idéia
de que os artefatos técnicos representam extensões,
projeções, amplificações do corpo humano e seus sentidos,
membros, sistema nervoso etc., tornou-se um lugar-comum
do pensamento moderno. A primeira exposição desta
perspectiva teria sido apresentada, não por McLuhan,
mas num tratado de filosofia da técnica, publicado
em 1877 por Ernst Kapp (1808-1896). Kapp parte da
antropologia para compreender a história da técnica.
O conceito central desta antropologia é a idéia de
“projeção orgânica” (organprojektion). As ferramentas
primitivas são vistas como projeções do corpo humano,
sobretudo da mão, que seria a parte mais tecnológica
do corpo: a mão em concha teria gerado as colheres,
cuias, copos, pratos, cumbucas; o punho cerrado seria
análogo aos martelos, tacapes, baquetas e outras espécies
de armas e instrumentos batedores; os cabos do telégrafo
elétrico são comparados aos nervos; as linhas de ferro
ao aparelho circulatório. Para Kapp, cada estágio
da tecnologia é posto em correspondência com uma fase
da espécie humana (MARTINS, Hermínio. (1996), Hegel,
Texas – e outros Ensaios de Teoria Social. Lisboa,
Edições Século XXI, p.167-169).
SIMMEL, George. (1987) “A metrópole
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Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Guanabara.
SIMMEL, George. (1983) “O Estrangeiro”. In: Evaristo
Moraes Filho (org.). Simmel. São Paulo: Ática.
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