Introdução
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Fig. 1 - Imagem das artérias
coronárias de paciente submetido ao cateterismo
cardíaco
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Esse artigo se propõe a examinar as relações
entre arte e ciência a partir do estudo de produções
artísticas que se apropriam de imagens médicas. Essa
pesquisa dá continuidade a um trabalho anterior em que
investiguei como o processo de leitura de imagens médicas
produzidas através do cateterismo cardíaco (Fig. 1)
é construído e como os médicos aprendem a atribuir significado
a essas imagens, ou, em outras palavras, como o corpo
é revelado, lido, ou tornado legível ao olho do observador.
[1]
No contexto médico, assumo que o processo
de leitura e interpretação de imagens é socialmente
construído; portanto, os padrões de normalidade e anormalidade,
apesar de legitimados ao serem incorporados à literatura
e aceitos como padrão dentro do exercício da prática
médica, são convenções estabelecidas a partir de processos
de negociação entre diferentes atores sociais. Assim,
a leitura considerada dominante de uma imagem não é
a única possível e as decisões médicas baseadas em tais
leituras refletem preferências relacionadas à prática
médica. O que o médico vê está inseparavelmente ligado
e depende de como ele vê - lê-se o tecido biológico
através das lentes do social, mapeando e lendo o social.
Ao deslocar-me para o contexto artístico,
interessa-me entender de que maneira o saber científico
é lido e reconfigurado através da arte. Assim, entendendo
a imagem médica como uma representação cultural, algumas
perguntas orientam essa pesquisa: Como as imagens de
raios X, de endoscopia, ultra-som, tomografias, entre
outras, interagem com uma rede de interpretações culturais
e são reutilizadas fora do contexto médico? Como os
conceitos de público e privado são (re)significados?
Como os corpos cientificamente medicalizados são (re)construídos
no contexto artístico?
Visualização médica e cultura de massa
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Fig. 2 - John Heartfield,
pôster antinazista (1932)
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Fig. 3 - To Tom, with all
my love, from Mary.
Mass radiography (1944)
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A popularização das imagens médicas em
diferentes contextos midiáticos (cinema, televisão,
propaganda etc) tem fornecido ao público leigo um olhar
que anteriormente era limitado ao olho especializado
do médico, contribuindo para a criação de uma cultura
dependente das imagens e das tecnologias que as produzem
(Figs. 2 e 3). Os processos de iluminação do interior
do corpo humano, a transparência, passam a existir,
então, como um produto cultural, um artefato cultural.[2]
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Fig. 5 - Benedetta Bonichi,
A Francis Bacon (2000)
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Fig. 4 - Francis Bacon,
Head surrounded by sides of beef (1954)
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Do mesmo modo, o trabalho de muitos artistas
vem incorporando tais imagens, sobretudo a partir da
Segunda Guerra Mundial, com a popularização das imagens
de raios X. Num primeiro momento, a reflexão sobre esse
mundo interior transparente representado pelas imagens
médicas é que orienta o trabalho de muitos artistas,
como o inglês Francis Bacon, nos anos 50. Bacon utilizou
um livro de radiologia —Positioning in radiology
(1934), de Kathleen Clara Clark — como uma espécie de
manual para a produção de algumas de suas obras, como
Head Surrounded by sides of beef (1954), em que
o artista utiliza as imagens de raios X como referência
para produzir um corpo vivo em forma de uma carcaça.
Em 2000,
a artista italiana Benedetta Bonichi
produz A Francis Bacon (Fig. 3), uma clara citação
ao trabalho de Bacon de 54, utilizando dessa vez imagens
de raios X de fato.[3]
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Fig. 6 - Robert Rauschenberg,
Booster
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No final dos anos 60 (1969), o americano
Robert Rauschenberg produz uma enorme litografia - Booster
- com imagens de raios X de seu próprio esqueleto
(Fig. 6). O artista recorta a imagem de raio X em cinco
pedaços para compor o centro da litografia. Ainda é
o corpo perfeito, livre de qualquer doença, que é representado,
diferentemente do que se observa a partir de meados
dos anos 70, aproveitando-se não tão-somente de imagens
radiográficas, mas, sobretudo, de imagens digitalizadas,
presentes no contexto médico já a partir dos anos 60
com a união entre o computador e a tecnologia dos raios
X.
A partir de então, a imagem do corpo cosmeticamente
perfeito, difundida sobretudo pela mídia, e, em particular,
o corpo da mulher, começa a ser questionada. Uma produção
em sua grande maioria realizada por mulheres propõe
uma definição de autobiografia que expande as convenções
sociais dominantes. No lugar do corpo sadio, entram
os corpos doentes. Um exemplo desse tipo de produção
é o trabalho da artista americana Laura Ferguson e sua
série The visible skeleton (Fig. 7).
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Fig. 7 - Laura Ferguson,
The visible skeleton
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O projeto visible skeleton[4] teve início
há mais de vinte anos, quando a artista começou a experimentar
a deformação física em decorrência de uma escoliose
aguda. As transformações no corpo a levaram a experimentar
novos conceitos de espaço e gravidade, uma nova consciência
de processos como a respiração e o movimento.
Laura incorpora inicialmente as imagens
de seus registros médicos regulares e depois outros
produzidos por médicos especialmente para a produção
de suas obras. Segundo a artista, essa série conta a
história de sua trajetória e de como ela transformou
as experiências de seu corpo medicalizado em arte. A inglesa Susan Aldworth
é outra artista que, a partir de sua experiência com
a medicalização de seu próprio corpo, apropria-se de
imagens do cérebro, desenvolvendo seu trabalho através
de residências artísticas em hospitais na Inglaterra.[5]
Nos anos 90,
a artista libanesa Mona Hatoum,
radicada na Inglaterra desde os anos 70, produz o vídeo
Foreign body (1994), uma viagem endocolonoscópica
pelo interior de seu corpo, como ela mesma o define.
A vídeo-instalação, produzida com o auxílio de um cirurgião,
mapeia um auto-retrato interno e externo da artista
através dos procedimentos médicos da endoscopia, colonoscopia
e ecografia. O vídeo é projetado no chão, no interior
de uma cabine cilíndrica (Fig. 5), e acompanhado pelo
som das batidas de seu coração. Em 1996, Mona produz
Deep throat, uma projeção de seu trato digestivo
sobre pratos.
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Fig. 10 - Mona Hatoum, Foreign
body
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Fig. 9 - Mona Hatoum, Foreign
body
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Fig. 8 - Mona Hatoum, Foreign
body
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As refotografias de Monica Mansur
No Brasil, mais recentemente, podemos citar
os trabalhos de Diana Domingues, com sua instalação
Trans-e (1995), a série Retratos Íntimos (Fotografia
transparente), de Cris Bierrenbach, e as refotografias
da carioca Monica Mansur, como exemplos de artistas
que exploram ou já exploraram as imagens médicas de
diagnóstico em seus trabalhos. Dessas três artistas,
Monica Mansur é quem tem se dedicado mais regularmente
à exploração de imagens médicas em seu trabalho como
gravadora, por isso o foco aqui é em sua produção.
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Fig. 11 - Cris Bierrenbach,
Retratos íntimos (2003)
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Fig. 12 - Cris Bierrenbach,
Retratos íntimos (2003)
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Retratos íntimos (2003), de Cris
Bierrenbach, é uma série de cinco ampliações fotográficas
digitais de radiografias (dimensões 85x60cm) que exibe
a artista internamente da altura do estômago até os
joelhos, com cinco diferentes objetos cortantes e pontiagudos
(seringa, garfo, tesoura, faca e fórceps) envoltos em
vaselina e inseridos em sua vagina (Figs. 11 e 12).
Trans-e é uma instalação interativa em que os
visitantes controlam as imagens projetadas sobre as
paredes ao caminhar sobre carpete contendo sensores[6].
Segundo Diana Domingues, a instalação é composta por
três estágios, que correspondem ao transe xamânico.
Desde 1995, quando realiza sua primeira
exposição com obras produzidas a partir de raios X e
impressas sobre esparadrapo e gaze, até mais recentemente
com suas paisagens cristais, ou refotografias,
como a artista as chama, Monica explora as possibilidades de criação através da própria reprodução,
discutindo a estética da repetição.
Refotografias são imagens refotografadas
a partir de vários exames médicos e depois impressas.
A artista fotografa a imagem que resulta do exame, a
digitaliza, retrabalhando-a em seguida. Monica retira
partes, aumenta ou diminui a luz, distorce, amplia,
modifica o espaço físico. Em seguida, as imagens são
impressas sobre diferentes suportes e meios, que vão
do esparadrapo e a gaze da primeira exposição (Fratura,
1995), passando pelos acetatos impressos em grandes
formatos (Tomo, 2001 - Fig. 7), pela fotografia
digital (Fantasmagoria 1 e 2, 2002), experimentando
a gravura tridimensional em placas acrílicas, em Visível
(2003), e, finalmente, chegando à impressão serigráfica
sobre acrílicos e espelhos (Paisagem cristal,
2003/2004). Em 1996, Monica se aproxima do vídeo, criando
uma instalação com imagens em movimento do interior
de estômagos e cólons humanos (Estrutura da obsessão).[7]
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Fig. 14 - Monica Mansur,
exame de endoscopia
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Fig. 13 - Monica Mansur,
Cubo cristal
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Fig. 16 - Monica Mansur,
detalhe de Tomos (2001)
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Fig. 15 - Monica Mansur,
exame de tomografia
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Diferentemente da discussão presente em
obras como as de Ferguson e de Mona Hatoum, por exemplo,
o que predomina no trabalho de Monica são questões internas
ao processo da gravura e à impressão. O centro de suas
reflexões é a reprodução mecânica, são as possibilidades
da imagem mediada. A artista não busca nas imagens médicas
inspiração para o seu trabalho, mas parte dele próprio,
numa analogia, por exemplo, entre o processo da gravura
e os cortes dos planos tomográficos. Um exercício de
metalinguagem.
A desindividualização do sujeito contemporâneo
é outro ponto presente no trabalho da artista. As imagens
com as quais Monica trabalha podem ser de seu próprio
corpo como de outro qualquer; são não-identidades. Coletadas
aleatoriamente[8],
podem ser imagens de pacientes que já faleceram, de
pacientes doentes ou não. É o rastro sem nome do exame
médico. “O olhar não identifica; o olho só lhe diz que
aquilo é um ser humano”, afirma Monica. Se é homem ou
mulher, velho ou moço, sem conhecimento médico especializado
não é possível saber; são visões médicas e somente existem
porque foram ‘imaginadas’ através de uma máquina, seja
ela uma câmera de vídeo com fibra ótica, um túnel com
ondas magnéticas ou laser que laminam cortes transversais
de órgãos e ossos, completa a artista.
Ao produzir realidades pseudofotográficas,
a artista instiga a imaginação não contaminada com o
vocabulário imagético incluído no repertório do observador,
enfatizando as mudanças na visualidade do homem contemporâneo,
geradas a partir da reprodutibilidade mecânica das imagens.
Como Didi-Huberman[9] afirma, “aquilo
que vemos vale - vive - apenas por aquilo que nos olha”.
Não há imagens inocentes, nem tampouco olhos inocentes.
Mais do que algo para ser contemplado, as imagens médicas
são entendidas aqui como um texto a ser decifrado ou
lido pelo espectador; como uma construção e um discurso,
cujo acesso à realidade é mediado.
Imagens médicas e os dilemas da representação
As mais tradicionais histórias da visão
sugerem que as inovações tecnológicas, tais como a fotografia
e o cinema, resultaram numa suposta documentação crescentemente
objetiva das imagens. Crary[10]chama a atenção
para a suposta neutralidade atribuída a tais tecnologias
e sugere que a invenção de muitos artefatos ópticos
a partir de meados do século 19, como o diorama, o caleidoscópio
e o estereoscópio, encorajaram o observador a ver de
uma forma “codificada” e “rigidamente definida”; um
modo de ver novo inerentemente relacionado à modernidade.
Para Crary, a modernização da sociedade teria encorajado
a transformação da visão humana em “algo mensurável
e mutável”[11]
Na área médica, de forma semelhante ao
que Crary observa, pode-se considerar que a crescente
substituição dos exames sensoriais realizados pelo próprio
médico por outros, intermediados por uma máquina e por
profissionais especializados, foi, e continua sendo,
encorajada não somente pela crença na maior objetividade
e precisão, mas também pela capacidade de padronização
e facilidade de comunicação de dados. Os resultados
estatísticos dos exames, processados por computador
e reproduzidos em um monitor, parecem ser objetivos,
neutros, irrefutáveis, equivalentes à verdade. Assume-se
que a presença - ou a futura presença - da doença será
revelada de forma mais acurada através de exames feitos
por máquinas e técnicas modernas do que através dos
sintomas ou comportamentos relatados pelo paciente.
Com relação à percepção, mais do que produzir
representações objetivas, os artefatos tecnológicos
determinam como o observador vê, conforme enfatiza Lerner[12], ao estudar
a introdução dos raios X na prática médica. O grande
apelo inicial dos raios X, e de outras tecnologias visuais,
não era somente sua habilidade para detectar objetos
ocultos, como corpos estranhos, mas sua suposta objetividade.
Mas, apesar de consideradas como definidas e exatas,
as imagens obtidas pelos raios X começaram a ser formalmente
questionadas pelos radiologistas já nas primeiras décadas
do século 20, quando se constatou que as melhorias nas
técnicas não foram capazes de eliminar divergências
na leitura e interpretação das imagens produzidas.
No caso dos raios X, apesar de os radiologistas
hoje não terem que lidar mais com as sombras manchadas
do início, eles precisam aprender como detectar, reconhecer
e interpretar as imagens geradas pelo computador. É
preciso investigar como um observador reconhece o que
é detectado visualmente e como esse reconhecimento é
transformado em uma interpretação da cena visual.
Entre a arte e a ciência
Assumo nesse trabalho que as imagens são
multiplamente mediadas através da experiência, da memória
e por diversos modos de representação. Como Kassirer[13]argumenta,
a imagem que se lê é somente um modelo de realidade:
as tomografias de um tumor são somente representações
de um tumor; as representações de um ultra-som de uma
dada anomalia são ondas sonoras convertidas em imagens
de vídeo, não a própria anomalia.
Essa discussão entre o representado e a
sua representação coloca em evidência uma outra questão,
que é a dualidade entre o que a imagem é e o que ela
significa. A pergunta que faço é como, então, o corpo
é revelado, lido ou tornado legível ao olho do observador?
Hartouni[14] propõe
que se pense essa questão a partir de uma categorização
das tecnologias visuais, tais como os raios X, o ultra-som,
o cateterismo cardíaco e tantas outras. Ela vai chamá-las
de peering technologies, aquelas que “põem para
fora não somente o que é interno, ou tornam o opaco
transparente, ou ampliam nossa visão para revelar os
segredos evasivos da natureza”, mas, acima de tudo,
constroem o próprio peering, os instrumentos
e as relações que, na verdade, não simplesmente descobrem
o significado, mas o inscrevem e o impõem.
As tecnologias por imagem são marcadas
pelas lutas contínuas sobre a autoridade cultural e
a inscrição cultural - sobre quem terá a autoridade
para definir o papel e o significado dessas tecnologias
e determinar como elas serão institucionalizadas. Tais
lutas chamam a atenção para o quê, precisamente, é e
não é visto, já que uma imagem pode contar pelo que
é visto e pelo que não é visto.
O filme, assim como a fotografia e o vídeo,
são considerados imagens perfeitamente semelhantes,
ícones puros, ainda mais confiáveis porque são registros
feitos a partir de ondas emitidas pelas próprias coisas;
elas são traços. De acordo com a semiótica de Peirce,
essas imagens são índices antes de serem ícones e sua
força de persuasão provém disso, de seu aspecto de índice
(traço) e não mais de seu caráter icônico (semelhança),
o que proporciona à imagem a força da própria coisa
que ela representa. No entanto, essas imagens são índices
degenerados, como diz Machado[15], transfigurados
pela mediação técnico-científica. A evidência indicial
é imprecisa e distorcida pela mediação técnica, o que
torna a ambigüidade e o erro inevitáveis.
Por outro lado, se essas representações
científicas são compreendidas por outras pessoas além
das que as fabricam é porque existe entre elas um mínimo
de convenção sociocultural, ou, em outras palavras,
elas devem boa parcela de sua significação aos seus
aspectos de símbolo, segundo ainda a definição de Peirce.
É esse caráter simbólico da imagem que
me interessa e a partir do qual se processa o exercício
de tradução realizado pelo artista. Assim, a imagem
médica, mais do que produto de uma técnica e de uma
ação, pode ser entendida como uma experiência de imagem,
inseparável de toda sua enunciação. Ou seja, é uma imagem
em trabalho, imagem-ato, gesto da produção somado ao
ato de recepção e de sua contemplação.
Ao incorporar essas imagens médicas, os
artistas vêm definindo uma nova noção de retrato, já
que tradicionalmente o retrato lida com a fisicalidade
exterior e aqui, mesmo quando se olha para o interior
dos corpos, pode-se não saber o que se vê. Documentado
em ambientes médicos e/ou científicos e transformado
por esses artistas, esse tipo de trabalho traz uma nova
visão do corpo ao público, questionando os significados
de identidade. Esses artistas estão, além disso, visualmente
representando e traduzindo questões científicas para
o público leigo.
Para concluir, posso dizer que estudar
o processo de leitura e interpretação das imagens médicas
é estudar uma política da cultura da representação -
política entendida aqui como um processo de negociação
entre diferentes modos de interpretação de imagens.
O estudo dessa política indica que as pessoas vêem o
mundo através de diferentes lentes, as quais oferecem
diferentes visões e definições que, por sua vez, são
moldadas, entre outros fatores, pela posição social
dos atores envolvidos e suas experiências. Essas visões
e definições são politicamente significativas porque
elas proporcionam a base a partir da qual as pessoas
tomam decisões sobre o que conta como conhecimento válido
e sobre quem são os legítimos produtores de tal conhecimento.
Afinal, como disse anteriormente, o que
nós vemos está inseparavelmente ligado e depende de
como nós vemos. Assim, a questão que me interessa é
muito mais como essas imagens médicas significam o que
elas significam em diferentes contextos e não o que
essas imagens realmente são.
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