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Nick Cave e P.J. Harvey / A
Day in the Life of Chevy Chase
por Diego Assunção
Henry
Lee
– videoclipe de Nick Cave e P.J. Harvey
Um casal está sentado
– ele é Nick Cave e ela Polly Jean Harvey -, como se estivesse
em um banco de praça, mas ao fundo existe apenas um fundo infinito
em verde. O encontro de um casal, um fundo verde infinito e um
plano seqüência, todos esses são elementos usuais que já se transformaram
em cacoetes na feitura de vídeos publicitários e em videoclipes
(no fundo, um vídeo publicitário). Clean e cool
são as palavras que parecem resumir a idéia desses projetos.
No
entanto, este é um clipe especial, devido à força teatral de Nick
Cave e P. J. Harvey. Existe uma química entre eles, uma cumplicidade
e amor transbordante nas vozes e expressões – como aquele momento
no qual Cave se levanta para acariciar os ombros dela, enquanto
ela canta. A luz que reflete ao fundo e que incide sob os corpos
de Nick e Harvey nos leva para um outro mundo, um mundo espectral
habitado apenas pelos dois, um mundo de fundo verde. O que se
passa no videoclipe é o momento de um encontro especial, de troca
de olhares, carícias e beijos. É um momento especial porque não
poderá ser revivido, é fugaz – como a própria letra da música
pontua -, nesse caso o fundo verde funciona porque ele não é importante,
ele até “desaparece” quando o plano reenquadra o casal em seus
movimentos.
Esse encontro de corpos,
que parecem se chocar e produzir uma energia cósmica, não pode
ser interrompido por cortes porque não se pode valorizar um gesto
das mãos em detrimento do olhar, é necessário conjugar o número
maior possível de membros com o intuito de compartilhar tal momento
mágico – a inexistência do corte faz com que mergulhemos nessa
paixão. A câmera está ali para ressaltar o envolvimento dos dois
e, por conseqüência, fazer o espectador embarcar no sentimento.
O plano começa aberto – o casal ainda parece tímido e apenas começamos
a acompanhar as mãos dadas e as trocas de olhares – mas o plano
vai se aproximando quando a intimidade entre os dois aumenta –
os corpos se aproximam e as carícias se intensificam, nos rostos,
nos ombros. Tudo termina com um plano aberto dos dois dançando,
no entusiasmo da música e da paixão.
Henry Lee é um dos raros vídeos em que
o amor se manifesta com tanta intensidade e sinceridade.
* * *
A
Day in the Life of Chevy Chase
Nos habituamos a ver estrelas de cinema, música ou televisão,
passando sobre imensos tapetes vermelhos na pequena tela da televisão
(pelo canal E! Entertainment Television ou programas como o Vídeo
Show), nos fixamos nos seus rostos encharcados de maquiagem (ou
de bebida) em fotos publicadas por colunas sociais, e sempre tentamos
imaginar a vida das estrelas no seguro ambiente doméstico, no
seu dia-a-dia. O pensamento, sempre recheado de clichês: o astro
imerso em uma rotina de drogas e orgias (quando o personagem é
um roqueiro, ou um astro “bad boy”), ou seu oposto um Tom Hanks
ou Tom Cruise fazendo caridade em hospitais ou orfanatos. Pois,
antes de um canal parasita como o E! Entertainment Television
concretizar esse fetiche e estuprá-lo, Chevy Chase, em 1978, realizava
uma esquete anunciando esse fenômeno apocalíptico com muita ironia.
Chase introduz A Day in the Life of Chevy Chase
dizendo que um câmera o acompanhou em um dia de sua vida, dia
comum em que foi ao museu e visitou um hospital de crianças. O
quadro começa com o tocar da campainha, que tem o som de um apito
de navio (há algo de estranho nisso, não?). Sr. Chase atende a
porta, sem camiseta e com a braguilha da calça jeans aberta. Ele
hesita antes de autorizar o câmera a filmar o local, pede que
o espere na sala, para os dois irem ao hospital infantil, enquanto
ele faz a barba. O câmera não espera, e segue Chase pelo quarto.
Ele pede para o câmera não filmá-lo, apenas segui-lo até o banheiro,
mas o câmera filma as três mulheres dormindo na cama de Chase.
Já no banheiro, Chase faz a barba e fala dos planos
para o dia (o hospital infantil, doações), ao fundo uma quarta
mulher toma banho. Chase convida o câmera a sair e esperá-lo na
área da piscina, mas o câmera não sai da casa até filmar toda
a baderna de uma das salas principais: bebidas, ervas e uma mala
cheia de dinheiro decoram o lugar.
Perto da piscina há um homem sentado em uma cadeira,
como se fosse um salva-vidas, com o nariz esbranquiçado (não dá
pra saber se é de protetor solar ou cocaína) e um jardineiro mexicano
que deixa de aguar as plantas para aguar a piscina. As situações
que são encontradas por detrás da porta, e da campainha com som
de apito de navio, expressam muito bem a insanidade que existe
na invasão de privacidade que muitos veículos televisivos, e agora
a internet, promovem na vida dos famosos.
O
diferencial desse quadro para o amontoado de besteiras que circulam
por aí (além do humor inerente em ambos os casos) está no desempenho
de Chevy Chase. Chase faz o papel de astro com toda sua jocosidade
característica, esvaziando o glamour e o transforma em
banalidade – abre a porta vestindo uma calça jeans, o cabelo desarrumado;
sai de justificações sobre as mulheres em sua cama e vai para
a conversa sobre o hospital infantil com a maior naturalidade
do mundo, transita pela casa em seu roupão e creme de barbear
desatando a conversar com o “salva-vidas” e o jardineiro mexicano
“numa boa”. Um dia com Chevy Chase significa um dia com aquele
que melhor personificou o homem americano suburbano: a celebridade
nesse quadro é um mero homem invisível, nem os detalhes sórdidos
que o cerca ressoam novelesco.
Nos anos 90, Chase
realizou uma espécie de continuação dessa esquete com o filme
Memórias de um Homem Invisível, sobre um homem que se tornara
celebridade apenas enquanto “homem invisível” – e que era invisível
quando não o era de fato.
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