cartas
dos leitores Conceição
e o circuito Amigo Leo, Li a
nota que você publicou na Cinética e antes de tudo, quero te agradecer pelo
carinho e atenção pelo filme em si. De fato, ainda que mesmo algumas das críticas
mais positivas tenham feito referência a influências da pornochanchada e do udigrudi,
eu concordo com você: nosso filme reflete o momento da virada dos anos 90 para
os anos 2000. E não apenas como resposta a um cinema brasileiro bem-comportado,
mas também a uma série de influências estrangeiras que a gente procurou digerirde
um jeito criativo. Sendo sincero, eu já esperava algumas reações negativas.
Que elas tenham vindo justamente do Globo e da Vejinha, confesso que isso me soa
como elogio dos melhores. E, se é sempre desolador ler os patetas do Globo, até
por isso acho que um texto bem negativo pelo menos pode provocar uma certa revolta
solidária (que já está rolando por emails, e ainda pode crescer). Mas o caso do
Estadão eu confesso que acho bizarro. Não sei o que os leitores do jornal pensam.
Aliás, eles não devem ter como pensar nada, já que nem se dá notícia sobre o filme
por lá. Isso depois do Luiz Zanin ter dito que o filme é "árduo" antes
de ter visto, como todo mundo já sabe - agora até ele já admite que não viu o
filme, como se isso fosse um negócio totalmente normal (diz que não viu mesmo
agora, depois de ter estreado). Mas, como eu disse, não sei como os leitores do
jornal topam isso: um caderno de cultura que prefere fingir que não viu que um
filme brasileiro estreou, que nem publica crítica sobre o filme – e isso depois
de ter publicado que o tal filme é "árduo" numa reportagem assinada
por um cara que nem o assistiu. Francamente, acho isso muito bizarro.Mas
o ponto que quero abordar é a sua crítica ao lançamento em circuito. Não nego
que nosso filme entrou em cartaz sem uma campanha inovadora para divulgá-lo, mas
o primeiro ponto a notar é que, embora o seu afeto seja evidente e bacana de ver,
acredito que a expressão "enterro precoce" faz parte do seu texto e
ainda não faz parte da carreira do Conceição (embora isso já tenha sido
diagnosticado inúmeras vezes ao longo dos anos). Parece uma maluquice redundante,
mas a única maneira que temos de fazer um filme ser visto é fazendo ele ser visto!
Digo isso porque, por falta absoluta de verba para inundar os cinemas com 700
cópias e as TVs, jornais e outdoors com publicidade, só temos uma estratégia possível:
dar tempo para que o público descubra o filme. Isso ficou explícito na nossa idéia
de aceitar apenas parte dos horários diários da sala de cinema. É que preferimos
ficar mais tempo em cartaz do que estrear em vários horários por dia e não ter
como encher as salas. O que me interessa notar é que, se o nosso filme ficasse
sozinho em cada uma das três salas em que está sendo exibido, poderia ter até
quinze sessões diárias – o que significa que nessas duas semanas em cartaz nós
teremos menos exibições do que se ficássemos apenas uma semana exibindo o filme
cinco vezes ao dia. Essa era nossa intenção inicial ao acertar com o distribuidor
e o exibidor que o filme estreasse em poucos horários – para poder ficar mais
semanas e poder ganhar o boca-a-boca. Isso é uma estratégia
que, enfim, temos a expectativa de que seja seguida pelos nossos parceiros, embora
todas as questões comerciais (filmes para estrear, salas com pouca gente) pressionem
eles a tomar decisões complicadas. Por isso acho o seu comentário importante,
porque concordo que nosso filme tem um bom potencial de público sim, e que esse
público potencial ainda não foi inteiramente alcançado. Ficando mais tempo em
cartaz, Conceição tem mais chance de se tornar "cult", ou seja,
de ter um público razoável, do que se fosse arremessado com sessões seguidas.
Seu texto parece sugerir que, por termos feito um filme com "furor
criativo" e "inquietação", deveríamos ter um lançamento diferenciado,
igualmente "criativo". Antes de qualquer coisa, meu amigo, cabe lembrar
que entre os trabalhos que eu e os outros realizadores já fizemos em cinema, nenhum
deles pode ser descrito como "campanha de lançamento" ou "exibição
de filmes". Não tínhamos como reinventar a roda, a verdade é essa, e fazer
cópias e pagar laboratório custa dinheiro. A Riofilme pôde nos ajudar a pôr o
filme em 35mm nos cinemas – como distribuidora, foi ela, com uma verba da Ancine,
que possibilitou isso (a primeira exibição do filme, em Tiradentes, foi em Beta
Digital, e era possível que ele viesse a ser lançado assim caso o apoio da Riofilme
não viesse). E nesse jogo da distribuição existem peixes grandes e peixes pequenos
– não adianta pensar que dá para jantar um peixe maior do que a gente é. Ganhar
grana todos querem e, se cinema não está dando tanto dinheiro quanto um dia já
deu, acho que não é por falta de interesse dos envolvidos. Então, nossa estratégia
possível sempre foi essa: dar tempo às pessoas para que tivessem curiosidade de
ver no cinema um filme diferente de todos os outros.
Mas esse é o espaço
de exibição comercial, cujo modelo é definido junto com o distribuidor e o exibidor.
Tanto a Riofilme quanto o Arteplex têm interesses financeiros e é em respeito
a isso que estamos seguindo o modelo de lançamento que é melhor para eles – mas
acho que isso não será o fim da linha para o Conceição. Queremos que nosso
filme renda alguma coisa para as pessoas que o exibem no momento (e sinceramente
eu acho que ele pode render uma grana), mas para nós o importante é que ele seja
visto.
Por isso, vou te dizer em que aspecto acho mais precoce a sua previsão:
não é apenas em salas comerciais de cinema que um filme se difunde. Claro que
o melhor lugar para ver o filme é numa sala de cinema, com uma cópia bonita como
as que estão em cartaz, mas, pela sua própria natureza, acredito que nosso filme
terá uma longa sobrevida em exibições não-comerciais, quando se encerrar esse
momento de lançamento no circuito (ainda que, no que me concerne, acho que já
cumpri a minha parte). Do mesmo modo, por conta do tal "furor criativo",
fico também curioso acerca da sobrevida que ele terá em outros meios de disseminação
– como a web e a TV. Meu amigo, um filme não "morre" por conta
de um fim de semana no circuito comercial, então por que "enterrá-lo"
assim, com tanta pressa? Quem sabe o que o filme ainda pode gerar? Parece uma
saída fácil dizer que, depois de feito, um filme pertence aos seus espectadores
– mas sinceramente não vejo outro caminho possível para filmes brasileiros baratos
além de simplesmente conquistar o seu público pouco a pouco. Se você souber de
algum, ainda é tempo de sugerir...
abração, Daniel Caetano
*
* * Daniel É muito bem vinda tua resposta
à minha nota sobre Conceição, por tocar em alguns pontos importantes que
eu realmente não abordei em meu texto e que devem ser discutidos. Antes
de mais nada, o mea culpa: meu parágrafo inicial teria sido realmente mais
preciso se encerrasse com a frase "está montado o cenário para o enterro
precoce no circuito comercial de mais um filme brasileiro". E aqui
dividimos nossa discussão em dois pontos: o lançamento comercial do filme e sua
carreira fora do circuito. Quanto ao primeiro tópico, eu
posso imaginar que as alternativas para lançamento em circuito eram quase
nulas, mas me parece ingênuo pensar que haja a possibilidade, com o lançamento
restrito que o filme teve, de ampliar seu alcance junto ao público no boca-a-boca.
Digo isso tendo em vista a forma como o mercado exibidor está estruturado atualmente.
Apenas dez anos depois, um fenômeno como a carreira comercial de Carlota Joaquina,
por exemplo, hoje seria quase impossível, pois o aumento no número de lançamentos
(nacionais e estrangeiros) e a necessidade de que um filme justifique sua presença
na primeira semana em cartaz (quando não no primeiro final de semana), torna o
espaço para o boca-a-boca extremamente restrito. Fora isso, me parece que o
público que teria uma relação mais próxima e intensa com o filme não é de forma
alguma aquele que freqüenta hoje o "circuito bistrô" onde ele foi lançado (reticente
a ser provocado ou confrontado pelos filmes que vê, em sua demanda por "fazer
valer" o alto custo do ingresso pago) mas sim justamente aquele que hoje
encontra-se excluído desse circuito. Já em relação à carreira
do filme fora do circuito comercial, você tem razão quando diz que, hoje, esse
circuito é apenas uma pequena parcela do amplo espaço que um filme pode ocupar
em diversos segmentos. Entretanto, é sabido também que esse acréscimo de público
(em especial nos segmentos de TV e DVD) se dá de maneira proporcional à repercussão
do filme em seu lançamento nas salas de cinema. Ou seja, embora não responda hoje
pela maior parte do público de um filme, sua carreira no mercado exibidor ainda
é a baliza pela qual baseia o espectador para decidir se vai ou não ao filme nessas
outras plataformas. O que quero dizer, Daniel, é que se não
se pode reinventar a roda, tampouco se pode se conformar com o fato de que ela
está quadrada – ainda que se acredite que, aos trancos e barrancos, essa roda
quadrada ainda possa te levar a algum lugar. Não quero dizer aqui que tenho a
resposta para essa perversa equação, mas apenas dizer que senti muita falta daquela
vitalidade toda que vi na tela no momento do lançamento do filme. Há alguns caminhos
possíveis para se chegar ao público que vêm sendo experimentados por alguns filmes
brasileiros recentes (Serras da Desordem já fez mais de 6 mil espectadores
antes mesmo de seu lançamento comercial e Evaldo Mocarzel distribuiu gratuitamente
mais de 5 mil cópias em DVD de seu Do Luto à Luta). Só esperava
que Conceição, por suas características bastante peculiares, contribuísse
ativamente com mais uma tentativa de se romper o chiqueirinho a que vem sendo
restrito grande parte do cinema brasileiro. Ainda que essa tentativa se mostrasse,
posteriormente, inviável. Abraços, na torcida para meu espírito
de Cassandra estar errado, Leo Mecchi editoria@revistacinetica.com.br |