cartas dos leitores
Os 12 Trabalhos e as influências


E aí, Eduardo?

Li agora seu texto sobre Os 12 Trabalhos e lembrei de uma questão que o filme me suscitou.

Heracles tem um primo mais velho, que é moto boy e tem o desejo de morar "na praia". E aí, quando ele morre, Heracles tenta "realizar" o desejo do primo e o filme acaba num plano
de Heracles chegando à beira da praia de moto (meio que num contra luz, se não me engano). Isso te lembra alguma coisa? Mickey Rourke e Matt Dillon, mesmo "último plano de filme", com Matt Dillon chegando à praia em contra luz e tal. Rumble Fish. Eu gosto muito desse filme e acho muito legal que tenha influência ainda hoje. Afetivamente, é o meu favorito do Coppola.

Só que ao contrário, enquanto no Selvagem da Motocicleta, Matt Dillon leva o próprio peixe de briga ao mar, em 12 Trabalhos, Heracles simplesmente curte a idéia de ir à praia. Talvez Heracles pudesse ser o próprio peixe de briga, mas não é isso que vemos no filme.

A impressão que me deu, porém, é que essa "influência" passou despercebida pelo próprio diretor. E eu digo tudo isso pra defender uma tese: que hoje nossa exposição ao audiovisual é tanta, que corremos o risco de repetir elementos de outros filmes integralmente em nossos filmes, sem nem mesmo ter consciência disso.

O que vc acha? Faz sentido? Talvez isso já aconteça desde sempre, mas pode ser também que esteja acontecendo cada vez mais...

abs
Diogo Dahl

 
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Diogo

Curiosa sua observação. Eu acho, de fato, que esse tema da “influência” ou das relações é um tema muito complexo – inclusive porque elas falam tanto das influências de quem fez seus filmes quanto de quem vê os mesmos.

Me lembro de duas histórias particulares minhas: ao fazer meu primeiro curta, Um sol alaranjado, um crítico francês aproximou o filme do cinema do Bresson – que na época eu conhecia muito pouco e muito mal. Depois, em 2005, filmei O Monstro oito meses antes de haver uma retrospectiva do Manoel de Oliveira em SP, onde vi a maioria dos filmes dele (que não tinha visto, só os meus “contemporâneos” no circuito), e quando o filme estreou lá meses depois um amigo meu chamou a atenção para a semelhança com os filmes do mestre português.

No filme do Ricardo Elias, não posso dizer se houve ou não consciência deste contato, mas nos dois casos que citei, nem Bresson nem Oliveira eram referências diretas minhas – até por ignorância mesmo de seus trabalhos (enquanto no primeiro Jarmusch e Ozu eram, e no segundo Malick e Apichatpong – semelhanças que algumas outras pessoas notaram). Só que, vendo depois filmes de um e de outro, eu mesmo reconheço proximidades claras entre os projetos, e por isso como dizer que quem as apontasse estaria errado, mesmo na minha falta de consciência delas?

Por isso é que, quando escrevo, nem curto perguntar muito a cineastas sobre o quanto eles pensam nestes contatos, e prefiro estabelecer mesmo aqueles que eu vejo –e que são válidos por isso. O que eu acho, em suma, é que a linha de conexão entre os olhares dos cineastas pode ser extremamente tênue, e algumas vezes se sobrepõem sim, sem nenhum conhecimento. Não acho que isso seja exatamente uma crise de originalidade, mas sim uma indicação de universos dramáticos e/ou audiovisuais próximos, que se acaba explorando.

Valeu por ter escrito
Eduardo


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