Caro Francis, de Nelson Hoineff (Brasil,
2009) por Francis Vogner dos Reis A
operação do pitorescoNelson Hoineff
afirma que Caro Francis visa fazer um painel das "várias faces
de Paulo Francis". Ora, pra dizer que Paulo Francis tinha várias faces
só mesmo um relato pessoal de quem conviveu com ele. No filme, só
vale se estiver na tela. A imagem que nós, público e leitores, tínhamos
dele era uma só: um personagem que se autocriou. Na TV, ele era performático,
e nos seus últimos anos dava algum sentido à confraria de idiotas
chamada Manhattan Connection, porque sempre aderiu à performance como único
meio de não se conciliar com as impressões mais ralas e superficiais
das coisas, seja à esquerda ou à direita. Intempestivo como personagem,
exagerava nas tintas e era muitas vezes incoerente - o que, sabemos, faz parte
do mito, mas não o exime de nada. Esse é o Paulo Francis personagem,
aquele que, não raro, víamos metido em situações um
pouco mais sérias do que ele mesmo imaginava ou queria. O filme de Nelson
Hoineff busca a qualquer custo (ou melhor, às custas de Paulo Francis)
procedimentos que gerem efeitos amplificados das características que tornavam
Paulo Francis um personagem, sobretudo.
É no paradoxo de Francis
que Hoineff realiza sua estética da chacota e, maquiavelicamente, faz desse
mesmo paradoxo do personagem, uma contradição pitoresca. O diretor
trata de esgotá-lo e transformar seus entrevistados - entusiastas ou desafetos
de Paulo Francis - em bodes expiatórios a serviço da legitimação
do polemista Francis. Nelson Hoineff, amigo do homem, decidiu fazer um retrato
dele a partir de depoimentos de conhecidos e imagens de arquivo. É nas
somas de imagens de arquivo de Paulo Francis, na cadência entre seqüências
de tons diferentes, nas oposições entre entrevistas e no dado emotivo
das lembranças dos entrevistados que o diretor constrói uma peça
que se exime de abrir mão de possibilidades (e fazer escolhas) que não
tenham um efeito instantâneo. É
questão, portanto, de observar as operações. A oposição
entre as entrevistas de Diogo Mainardi (anão polemista, suposto herdeiro
de Francis) e Caio Túlio Costa (motivo de saída de Francis da Folha),
transforma esse segundo em um simplório patético perante a acidez
do interlocutor (Mainardi) que Hoineff criou na montagem. Assim como na entrevista
com Sergio Augusto, em que o seu cachorro no canto do sofá (e do plano)
fica deitado de barriga pra cima. O diretor faz do jornalista Sergio Augusto coadjuvante
do cachorro, desviando a atenção da entrevista (que em princípio
seria o interesse da cena) para uma oportuna gracinha consciente do diretor. O
que isso tem a ver com Paulo Francis? Nada, absolutamente nada. Transformar
o pitoresco - não só de Paulo Francis, mas de qualquer imagem que
dispôs como princípio norteador do documentário - é
não ir além da superfície dessas imagens, é abrir
mão de qualquer responsabilidade que elas em si trazem. Não é
questão de usar a moral corrente para se falar do filme (declarar simplesmente
que isso pode e aquilo não pode, que isso ou aquilo é imoral ou
antiético por si só), mas pedir que haja ao menos um valor sobre
o qual o cineasta trabalhe e que revele o limite que o cinema tem. Todo grande
filme - sem exceção - é uma reflexão sobre seus limites,
sobre o limite do cinema, uma arte (e uma técnica) em que não se
pode e nem se consegue fazer tudo. Tendo isso, Caro Francis está
longe de ser um filme ao menos medíocre. É torpe. Julho
de 2009
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