in loco - cobertura dos festivais

Vocês Todos São Capitães (Todos Vós Sodes Capitáns),
de Olivier Laxe (Espanha/Marrocos, 2010)

por Filipe Furtado

Filmar as oliveiras

Vocês Todos são Capitães é um trabalho fluido que muda de tons e registros a cada momento, sem com isso sugerir qualquer confusão. É uma ficção sobre a insuficiência do olhar europeu sobre o subdesenvolvido? Um destes filmes no meio termo entre a ficção e o documentário? Um exercício de imersão sobre a paisagem urbana e rural do Marrocos? Uma autoficção, entre Coutinho e Kiarostami? O filme de Olivier Laxe é todas e nenhuma dessas alternativas, e parte da sua graça é justamente como ele é capaz de trafegar sobre tantas idéias sem nunca perder a si mesmo.

Um cineasta (o próprio Laxe) chega a Tangiers para dar uma espécie de workshop de filmagem em 16mm para um grupo de garotos de uma organização local. O objetivo é uma colaboração entre cineasta e garotos num filme sobre o universo deles. Logo nas primeiras cenas, porém, notamos quantas questões precisam ser superadas para o projeto existir: há um abismo didático intransponível entre Laxe (ou mesmo a diretora da ONG que coordena a primeira seqüência de aula) e seus alunos. Não se trata de uma colaboração entre iguais, e o tédio dos alunos com o aspecto acadêmico da empreitada não é menor do que a excitação de poderem trabalhar numa filmagem. Um dos grandes obstáculos já surge a priori na opção de realizar a oficina em 16mm e diz muito sobre a precisão do projeto de Laxe que jamais sejamos convidados a enxergar o uso da película como algo heróico, mas só pelo que ela é neste caso: mais um empecilho prático, independente das preferências pessoais do verdadeiro Laxe.

Boa parcela da primeira parte de Vocês Todos são Capitães se dedica a seguir Laxe e seus garotos nas ruas, filmando as mais diferentes situações. Algumas delas têm o frescor da espontaneidade, outras são deliberadamente ensaiadas. Logo, porém, os ruídos da sala de aula tomam conta do filme, e outros dois professores vão reclamar do trabalho do diretor e seu tratamento das crianças. Questionadas, estas não esboçam uma defesa dele (“o que ele faz não é um filme”), mas oferecem uma visão das imagens que elas próprias querem: filmar as pessoas, os lugares, as oliveiras, os animais, com “um pouco de ficção”. A partir daí Laxe estripa a si próprio de cena e convence um músico local, com quem colaborara antes a assumir a sua posição de tutor, enquanto ele desaparece para trás das câmeras. As imagens de Vocês Todos são Capitães sofrem uma alteração radical: se antes eram agitadas e caóticas, se tornam controladas e contemplativas, ao mesmo tempo em que os garotos se tornam de co-diretores a somente personagens. O novo filme que assistimos – um passeio do músico com as crianças pelo campo – parece buscar realizar os desejos que os meninos expuseram quando finalmente questionados sobre o filme que queriam.

Se há uma lição comunicada nesta relação professor-cineasta/alunos é de que as imagens que queremos vêm acompanhadas de um custo. Toda a filmagem é uma questão de poder, nada democrática, e o desejo pela imagem virá sempre antes das boas intenções.  O momento chave do filme vem provavelmente perto do fim, quando os garotos reclamam do calor (algo que eles já fizeram antes): mesmo com Laxe transformando seu filme para melhor se encaixar no olhar dos garotos, o desgaste das filmagens segue os mesmos. Você Todos são Capitães pode levá-los até as Oliveiras, mas filmá-las custa caro. Ao final, é um filme sobre as imagens que nós desejamos, e o custo destas.

Novembro de 2010

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