Caparaó, de Flavio Frederico (Brasil, 2006)
por Cléber Eduardo

Homenagem parada no tempo

Fragmentos de depoimentos, sem pedir lincença, invadem a tela. Somos jogados em uma profusão de frases de ex-integrantes das forças armadas brasileiras falando sobre a decisão de organizar uma guerrilha (com patrocínio de Leonel Brizola e de Fidel Castro) para reagir à opressão do regime militar e à passividade da sociedade brasileira em 1967. Lembranças da experiência de duas dúzias de homens no Pico da Bandeira, dispostos a, com suas ações de resistência, estimular outras ações em outros pontos do Brasil, os depoimentos basicamente relatam ações, procurando a reconstrução pelo verbo.

Imagens de arquivo, algumas muito felizes, dão clima às palavras – e músicas completam o serviço, com uso menos feliz. Há encenações de algumas situações para transpor para a tela evidências mais orgânicas dos acontecimentos narrados. Mas Caparaó passa a maior parte de suas imagens sem justificar sua opção pelo cinema (apesar de captado em digital): por que não realizá-lo em forma de uma grande reportagem?

Talvez duas situações justifiquem sua opção. Uma é a discussão entre dois ex-guerrilheiros a respeito de uma possível negociação com a polícia. Toma-se a questão na mão, mas logo ela é descartada. De qualquer forma, nesse encontro-debate entre dois ex-parceiros de guerrilha, promovido pelo filme, há algo fora do script, uma atualização do passado, que retorna gerando mal estares e resignificações. A outra justificativa pelo audiovisual, e não por uma reportagem escrita, é a associação entre os depoimentos e algumas imagens de arquivo, em especial a de tanques nas estradas e de bombardeios aéreos, usadas para se ampliar o patético, abordado por um dos entrevistados, do teatro militar-midiático protagonizado pelas forças da repressão para mostrar serviço.

Documentário informativo, pedagógico até, mas que, antes de mais nada, presta duas homenagens. Uma aos heróis anônimos que, quase como aberrações sociais, decidiram contra-atacar a ditadura. Outra a todo o espírito rebelde dos anos 60 – o que, dentro do contexto do filme, soa um tanto forçado. No entanto, se é compreensível a homenagens aos indivíduos presentes no filme, hoje com cara de avôs, falta ao filme a atualização dessas figuras. Quem são eles hoje? No que trabalham? O que acham que aconteceu com o Brasil? Estão satisfeitos com a democracia? É para isso, para esse Brasil de hoje, que arriscaram vidas? O que aconteceu de lá para cá?

Porque simplesmente reconstruir os fatos, como o filme faz, sem colocá-los em perspectiva hoje (e em relação a hoje), é resgatar o heroísmo dos guerrilheiros, mas matar a imagem de cada homem ali (como observou Ilana Feldman), reduzindo-os a seu passado de rebeldia. Mas e o resto da vida? Como se vive depois?


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta