in loco
Algumas idéias sobre a premiação, pré-Palmas;
e os favoritos "da casa"
por Eduardo Valente

Cannes talvez seja o único lugar em que eu veja algum sentido em se escrever um texto sobre prêmios, porque muitas vezes os que são dados aqui ajudam a entender um pouco um certo olhar sobre o que de mais “importante” se faz no cinema mundial hoje. Por isso, pensar um pouco sobre as possibilidades da premiação (mais até do que sobre a premiação em si, que é pouco mais que a opinião de oito ou nove pessoas sobre vinte e dois filmes) acaba sendo pensar um pouco sobre o que foi visto por aqui e o que pode se entender a partir disso.

Até o sábado, penúltimo dia, não havia um filme minimamente consensual a se apontar como favorito. Foi quando apareceu Entre les murs, o filme de Laurent Cantet que é o que mais parece poder compor com diferentes gostos – francamente político na sua relação com uma situação sócio-cultural específica que pode ser transportada para o mundo todo, com um trabalho cinematográfico de força considerável e um componente humano fortíssimo. Isso quer dizer que vai ganhar? Longe disso, como podemos ver com exemplos como o de 2003, em que passou-se o festival todo discutindo a disputa entre Mystic River e Dogville, e nenhum dos dois ganhou qualquer prêmio. Apenas quer dizer que, caso o júri opte por não ser extremamente idiossincrático, Cantet é a melhor chance que a França parece ter de levar a Palma em um bom tempo – e mesmo que não seja o ganhador, deve levar alguma coisa, seja roteiro ou ator para o professor François Begadeau, por exemplo. Além do filme de Cantet (ou talvez até mais, num certo sentido), o mais perto de uma certeza de prêmio seria Waltz with Balshir, o filme de animação que tanto se falou como o primeiro “documentário de animação”, que foi apreciado de forma bastante ampla e que, até pela força do tema e do trabalho estético, deve sair com alguma força daqui.

Depois destes dois, cairemos um pouco na linha que o júri resolver seguir. Se formos acreditar nas palavras de Sean Penn na abertura do festival, de que adoraria privilegiar os filmes que falem coisas urgentes sobre o “hoje”, alguns títulos sairiam na frente – inclusive o Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas. Além do brasileiro, pensamos em Leonera, de Trapero; 24 City, de Jia Zhang-ke; Gomorra, de Matteo Garrone; e até mesmo Adoration, de Atom Egoyan (que levou o prêmio ecumênico, o que sempre quer dizer algo) ou Le silence de Lorna, dos Dardenne. É difícil pensar em qualquer um deles tendo efeitos consensuais num grupo tão diverso quanto o do júri de Cannes, mas é certo que alguns deverão levar prêmios paralelos – e caso alguém (e às vezes não necessariamente este alguém é o presidente) seja muito bom de papo, quiçá a Palma. E fica a incógnita de Che: suas 4 horas e meia terão parecido ao júri uma corajosa aposta épica e política ou apenas um exagero? Pode surgir como azarão, dependendo do caso.

Mas o júri também pode se voltar para o cinema clássico, e aí pelo lado americano Eastwood surge em vantagem aparente em relação a James Gray, nem que seja pelo escopo de seu projeto – uma Palma para Gray seria uma senhora afirmação de uma micro-Palma, o que seria adorável, mas altamente improvável. Mas, se o discurso de Penn valer mesmo de algo, talvez seja difícil para os dois filmes sonharem muito mais longe de um prêmio de interpretação (Angelina Jolie no Eastwood, Joaquin Phoenix, no Gray). O mesmo talvez valha pro filme de Despleschin, em quem os franceses apostavam muito, mas que parece classicamente “francês” demais para tomar de assalto o júri em um ano tão forte em temas sociais – ainda mais depois que surgiu o filme de Cantet como opção caseira mais “antenada”.

É um pouco a mesma sensação que fica com os “filmes de autor” que chamam a atenção acima de tudo pelos seus aspectos hipercinematográficos, como os filmes de Lucrecia Martel, Philippe Garrel ou Nuri Bilge Ceylan. Parecem concorrer apenas por prêmios como o de direção ou Grande Prêmio do Júri, caso encontrem fãs inveterados no corpo dos jurados, mas dificilmente têm a “relevância” para a Palma sócio-histórica que Penn promete. É um pouco a mesma coisa que acontece, mas num tom menor, com filmes como My Magic, Delta ou Serbis: propostas mais radicais de cinema, em tons distintos, parecem sempre estar concorrendo a um prêmio paralelo, como o Prêmio do Júri, que queira dar força a uma cinematografia absolutamente à margem ou a um cineasta ainda menos conhecido.

Finalmente, há os que realmente parecem fora do certame, que neste ano são bem menos, afinal mesmo para um Charlie Kaufman pode haver um prêmio em estoque (principalmente o de roteiro, claro), assim como até Paolo Sorrentino ou Fernando Meirelles podem ter uma ilusão mínima de, naquele corpo limitado de nove pessoas, terem encontrado grande repercussão. Agora, surpresa, surpresa mesmo, provavelmente com direito a vaias, só mesmo Wim Wenders parece representar.

* * *

É sempre divertido (nem que seja só para mim mesmo!) criar a sua própria premiação, que acho que ajuda o leitor a ter um olhar mais abrangente de como o redator aqui viu a competição do festival – algo que pode sempre ter ido se tornando mais confuso lendo os textos dia a dia. Pois bem, é a vez das minhas idiossincracias, então, depois de muitas negociações com minhas várias personalidades (lembrando que não foram vistos os filmes de Wenders e Egoyan)...

Palma de Ouro: Two Lovers, de James Gray
Grande Prêmio do Júri: Entre les murs, de Laurent Cantet
Direção: Lucrecia Martel, La mujer sin cabeza
Prêmio do Júri: Leonera, Pablo Trapero
Ator: François Begadeau e Franck Keita, Entre les murs
Atriz: Angelina Jolie, The Exchange
Roteiro: Leonera, Pablo Trapero
Contribuição Técnica: William Lubtchansky, fotógrafo de La frontière de l’aube

Maio de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta