Cafuné, de Bruno Vianna
(Brasil, 2005)
por Felipe Bragança
Pequena deserção
Cafuné
parte de uma tentativa de leveza e flutuação um tanto rara na
cinematografia brasileira recente. Ainda que com temas mecanicamente
amarrados na relação entre o casal de jovens protagonistas, sua
apreciação brinca de se aproximar das chaves narrativas e se afastar
delas em pequenas divagações, seja com os personagens secundários,
seja colocando os protagonistas em situações mais do que em “cenas”.
Essa graça que Bruno Vianna (estreando
em longas após uma consistente
carreira em curtas-metragens) consegue encontrar na sua aproximação
com o universo temático da classe média carioca, porém, guarda
armadilhas que o filme nem sempre consegue driblar com desenvoltura.
A presença da violência encenada, ou a dicotomia
entre a suavidade da menina e a agressividade seca de sua mãe,
são elementos que dão ao filme falsos terrenos por onde caminhar
e pelos quais, de alguma forma, seu desenrolar demonstra um certo
desinteresse. Como o título anuncia, o olhar do filme está mais
interessado em encontrar as brechas de prazer, amor e alegria
de seus personagens do que se debruçar um uma crítica social melhor
urdida. Apesar disso, Cafuné parece carregar, um pouco
por obrigação conjuntural, um sentido de análise tópica da Zona
Sul carioca, o que não se desenvolve nem em personagens secundários
fortes e instigantes, nem em uma ampliação de horizontes.
Como o céu nublado e a névoa reiterada ao longo
do filme, o olhar de Vianna parece ser aquele que está instalado
em um sentimento de um bem-estar acridoce, de uma alegria doída
diante da cidade – mas que, ao observá-la, tem que enfrentar sua
incapacidade de formulação clara de outros caminhos. Longe de
um niilismo ou de uma apatia, o filme flerta com a dramaturgia
de um certo cinema carioca dos anos 80, com os núcleos jovens
de telenovelas como as de Manoel Carlos ou com passagens de Malhação,
mas lidando com um princípio de incerteza que é o que dá ao filme
sua vontade de ir além do que narra como estudo comportamental.
A estratégia de se lançar o filme com mais de
um final, mais do que uma boa jogada de marketing e questionamento
cultural, é um sintoma de um filme que se instala, mas não se
desenrola, que se sente mas não sabe ainda exatamente como se
movimentar. Entre momentos de graça e outros esquematizados por
demais, melhores atuações e diálogos engessados, Cafuné tem o
interesse dessa curiosa recusa (quase juvenil, quase poética,
quase política,) de aceitar os dados e o jogo com as peças nos
locais já demarcados. Ainda que ainda não saiba exatamente para
onde apontar, para onde ir, para que lado caminhar, essa “falha”,
como retroação temática e estética, dá sinais de que essa falta
de rumo do filme (seja como narrativa, seja como estudo estético),
é, acima de tudo, uma falha inerente a uma reformulação possível.
Uma pequena e desacertada deserção de um olhar que tenta derivar
do arsenal de clichês sócio-audiovisuais que se cristalizaram
nos últimos anos no Brasil. Já é algo notável.
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