in loco - cobertura do É Tudo Verdade
VJs de Mianmar – Notícias de um País
Fechado (Burma VJ: Reporter i et lukket
land), de Anders Østergaard (Dinamarca/Suécia/Noruega, 2008) por
Fábio Andrade
Da
veracidadeVJs de Mianmar recompõe uma série de demonstrações
públicas anti-ditatoriais registradas por um grupo de repórteres clandestinos
que – como inimigos internos do regime militar – conseguem veicular pelo mundo
uma vivência que o governo faz o possível para esconder. Anders Østergaard tem
acesso a todo esse material, que ele monta como uma espécie de thriller
circunstancial: as imagens sustentam de forma asfixiante a progressão dramática
da cronologia original, que aparece impressa em cada pixel do vídeo. Dadas as
condições de produção e essa acertada reconstrução dramática, é difícil não pensar
em Videograma da Revolução – filme de Harun Farocki e Andrei Ujica que
reconta a revolução romena de 1989 a partir de registros, sempre parciais, de
câmeras da televisão estatal. A diferença cabal é a que determina VJs de Mianmar
como um filme tão mais problemático: a revolução não se confirma. Dado o fracasso
do ato histórico, é necessário se atrelar às únicas figuras de sucesso possíveis
dentro do drama, ao único valor exaltável em meio a tão retumbante fracasso: a
perseverança dos próprios repórteres. O
problema que isso acarreta é uma mudança de posicionamento que tem consequências
éticas (uma vez que a ética parte da estética) desastrosas. Pois a história dos
VJs – ao contrário da pública – não foi registrada como um centro em si. Ao contrário,
eles se viam não como personagens, mas como ferramentas (com toda a desumanização
que o termo traz, e que se fazia politicamente necessária no momento) de registro
dessa revolução. A história que Anders Østergaard quer contar, portanto, não existe;
ao menos, não integralmente. É uma história naturalmente lacunar, pois não foi
vista como relevante no momento do registro. Os VJs não filmam a si mesmos naquelas
situações, pois para eles o seu drama pessoal era irrelevante diante da magnitude
do momento político. O homem se fazia pequeno. Vjs
de Mianmar parte dessa distorção gritante, essa inversão de prioridades mui
contemporânea onde, dado o fracasso daquilo que se dá diante da câmera, falemos
de quem está por trás dela. Diante da frustração, ou mesmo da desimportância histórica,
resta ao documentário encontrar conforto no registro pessoal. Embora questionável
política e esteticamente (uma vez que toda a força do filme vem mesmo dos registros
dos acontecimentos, e da maneira como a câmera se coloca dentro deles), essa mudança
não seria necessariamente a ruína de VJs de Mianmar se a intermitência
dessa história fosse assumida enquanto tal. O problema maior do filme é justamente
sua incapacidade de lidar com o que é naturalmente lacunar, preenchendo com recursos
dramáticos (a música, mas principalmente a reencenação) os espaços que a história,
muito reveladoramente, deixou em branco. Para esses espaços, porém, não há imagem
realmente cabível. Em um filme que depende intimamente da veracidade de cada plano,
a permissão da reencenação e do acento dramático musical é um suicídio em praça
pública. Faltam, a Anders Østergaard, a coragem e a fé na auto-suficiência das
imagens que sobram nas personagens do filme. Abril
de 2010
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