Brilhante, de Conceição Senna
(Brasil, 2005)
por Eduardo Valente

Diamantes são eternos

É verdade que quem assina Brilhante é Conceição Senna, mas parece quase impossível desvincular totalmente sua realização do nome do seu marido, Orlando Senna, diretor do filme que deu origem a este projeto (Diamante Bruto, de 1977). Não se trata aqui de buscar revelar as entranhas do processo de realização ou relação familiar, mas apenas perceber como fica claro que o filme partilha de um mesmo ideal que é aquele que Orlando mais tem procurado tornar ação em sua passagem como Secretário do Audiovisual, cargo que ocupa desde 2002. Afinal, através de programas como o Revelando os Brasis, Ponto de Cultura ou Olhar Brasil, a Secretaria do Audiovisual vem professando a fé na possibilidade do audiovisual alterar profundamente o funcionamento social e humano das cidades menores, aonde ele geralmente só chega como produto finalizado – e não é outro o interesse deste Brilhante, que busca documentar exatamente a alteração iniciada na cidade de Lençóis, na Chapada Diamantina, a partir da realização do longa em 1976 que envolveu diretamente os moradores da cidade na produção de um filme.

Que se entenda que a crença nesta proposta não é cega ou ingênua: assim como os programas citados não se propõem a serem agentes transformadores por si mesmos, o documentário também deixa claro que sabe que não foi apenas um filme que mudou a realidade da cidade, nem que toda essa mudança foi para melhor. O que está em questão aqui é algo maior: a possibilidade de tornar-se agente da produção artística (no caso audiovisual) como micro-alimentador de outras pulsões contínuas, uma pedra a mais num caminho que pode ajudar a pavimentar uma estrada – ainda que não seja, por si só, esta estrada.

De maneira geral, é inegável que Brilhante documenta bastante bem (e, como citado, de forma abrangente e não unilateral) este processo de alteração da cidade e de uma realidade – mas isso não significa que seja um grande documentário. Isso porque, seja por questões de produção (as imagens majestosas da cidade e da chapada, captadas em digital, nos dão saudades dos tempos em que se fazia documentário com película), seja por questões de linguagem (o uso um tanto excessivo e redutor da música, o constante apelo ao “entrevistismo” e ilustração do que se diz com imagens), o filme poucas vezes ultrapassa uma categoria mais jornalística do que documental – por vezes com cara de “extra de DVD”.

Não que a entrevista não possa ser um método “cinematográfico” por si, trata-se apenas de ver como usá-la. Em Brilhante, em vários dos momentos onde este formato surge, ele parece francamente desinteressante (em especial as partes referentes à realização do filme, cuja seqüência de “causos” – como o do cágado – apenas faz sentido como complemento de sessão com o longa – daí a cara de extra de DVD) ou apenas repetitivo (em tantos outros momentos em que se busca uma voz multiplicada que pouco acrescenta ao filme). Fato é que fala-se tanto em Brilhante (o que talvez tenha uma relação com o desejo de refilmar os rostos de tantas pessoas que participaram do primeiro filme) que o que se fala de mais significativo às vezes se mistura com o que se fala de bastante desimportante (não no sentido do banal, que pode ser importante, mas do discurso do filme).

Se é claro que não é papel do crítico dizer ao cineasta que filme ele deveria ter feito, parece interessante pensar-se apenas algumas (entre tantas outras) maneiras como Brilhante poderia estabelecer uma relação diferente com aquele material, apenas a título de deixar mais claro o que nos pareceria uma aproximação mais cinematográfica que jornalística. Uma opção seria a narração assumir a primeira pessoa escamoteada, que nunca coloca em questão a participação da própria documentarista no processo que documenta; outra seria uma aproximação menos didática com o seu objeto, tentando uma apreensão mais sensorial daquele espaço tão rico de paisagens e significados – e um aceno a estas possíveis opções até surge no filme, nos planos inicial e final, mas que, como lá estão, parecem um tanto deslocados do resto. O que importa é que Conceição Senna fez o filme como ela o concebeu: cabe a nós anotar apenas o que sentimos não se completar nesta proposta.


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