Namorados para Sempre (Blue Valentine),
de Derek Cianfrance (EUA, 2010)
por Fabian Cantieri
Dean
meets Sandy
É bem
comum estripulias formais apaziguarem uma certa insegurança
quanto à estória contada. Raro mesmo é não
perceber a beleza do conto, mesmo ela evidente na sua mão.
Provavelmente isso acontece no caso de estórias contadas
e recontadas milhares de vezes por todo mundo: a simples dificuldade
insolúvel num relacionamento a dois. Blue Valentine
(com a terrível tradução de Namorados
para Sempre) é o clássico boy meets girl.
Talvez pela ojeriza ao clássico, ou de novo, medo da repetição,
Derek Cianfrance tenta ao máximo filmar como se qualquer
volta a essa tradição cinematográfica fosse
puro desperdício. James Gray jamais seria seu amigo.
O incrível disso tudo é que existe um roteirista,
chamado Derek Cianfrance, que mostra saber bem o que faz. Quer
falar de amor e para isso vai pegar os personagens desde meros
desconhecidos até seu ponto mais baixo, alguns anos depois
no casamento, pontuando todas as escalas decisivas dessa montanha
russa. É quase como se existisse uma redoma em volta dos
dois, onde nenhuma ponta fora devesse distrair aquele mundo. Focando
nos dois, mais tempo para entender as idiossincrasias de cada
um; menos desvio, mais inoperante é a tentativa de objetivar
a falha na relação. Não existe um motivo
maior para a separação. As coisas são sempre
mais complexas do que parecem, quando não aparece, sinal
de que as rusgas estão imiscuídas com as carícias.
A separação pode vir pela mesma razão da
união: a simples vivência.
Algo
não dá certo entre os dois. Começamos com
a rotina, onde cada um pode subentender seu sinal positivo ou
negativo disso. Pelo filme e pela filhinha lindinha, aparentemente
é apenas o carrinho subindo vagarosamente para a primeira
adrenalina da nova aventura matrimonial. O cachorro da família
morre e a atração mostra suas primeiras curvas.
A começar por elas, aqui, não existe uma lógica
de subidas e descidas – o tempo é um mosaico quebrado.
Primeiro dos clichês, nem mais tão contemporâneos
assim. Até aí tudo bem, não é grande
revolução, mas pode não ser tanto um estepe
formal. Segundo, o até-então-esperto-roteirista
convém para o melhor desenrolar da estória. O problema
se aprofunda um pouco mais com as brincadeiras de troca de focos,
cansativas já nos primeiros quinze minutos de filme. Se
a idéia era ganhar intimidade pelo fluxo de detalhes, trocas
de olhares, gestos e movimentos, fica a impressão, pela
claustrofobia gerada, de quase um insulto, afinal nós reles
espectadores já aprendemos a olhar. Dê-nos essa escolha
ocasionalmente. Até quando espocam planos abertos, eles
são filmados por uma tele objetiva direcionando (ou ofuscando?)
nossa visão. Optar pela redoma não necessariamente
deveria implicitar um isolamento do mundo. Foco é uma questão
de escolha e nunca exclusão, jamais um isolamento do indivíduo
fora do mundo.
Depois
da descida alucinante, um pouco de ar fresco no parque. O cinto
pode ser apertado, o ranger da madeira assustador, mas mesmo a
montanha russa mais rústica tem seu charme. Michelle Williams
e Ryan Gosling, protagonistas e também produtores executivos
do filme, afloram sintonia (uma recompensa de um esforço
pelo naturalismo na mise en scène) desde os momentos
de paixão adolescente até os de (i)maturidade forçada
pelo advento da filhinha. O mais impressionante é perceber
que, quando a simbiose de um casal gera combustão, é
difícil achar mangueira que apague o fogo. O último
plano é talvez o símbolo maior – por um lado,
clichê desgastado do homem seguindo seu rumo, sem querer
dar nós nos laços, se afastando da mulher e filha,
mas diferente da estrada waltersalliana, com a esperança
na volta, na reconquista e na reconciliação. Por
outro lado, um movimento posterior de câmera e foco para
a mulher agora com a filha no colo, voltando ao lar, explicitando
uma vontade de surpresa, de quebrar com o épico para a
exclusão de falsas analogias. Não é boy
meets girl, mas Dean meets Cindy. É uma estória
entre tantas outras, mas como tantas outras, com suas próprias
idiossincrasias. Especificidades que norteiam, embelezam e complexificam
a mesmice do viver.
Julho de 2011
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