bloco de notas - outubro 2006
Terrorismo
sem morte por Leonardo Mecchi O
que liga o fade to black com o qual termina Vôo United 93 ao fade
to white que encerra Paradise Now, dois filmes recentes que buscam
retratar com toques de realismo a experiência do terrorismo? Em ambos, a opção
por concluir o filme dessa forma parece corroborar a mesma tendência observada
nos recentes noticiários de TV: a invisibilidade da morte. Desde os atentados
às Torres Gêmeas até a recente Guerra no Iraque, temos uma virtual ausência da
morte nos relatos visuais desses eventos. Se o Vietnã ou as duas Grandes Guerras
deixaram retratos marcantes de seus mortos em nosso imaginário coletivo (seja
através de imagens captadas no calor do momento ou recriadas posteriormente através
da ficção), o mundo pós-11 de Setembro parece incapaz de retratar a morte.
Mais do que uma questão ética, essa invisibilidade parece refletir o estado de
estupor e incredulidade da sociedade ocidental diante dessa nova forma de conflito.
Se aos horrores da guerra já estávamos habituados, o caráter disperso, auto-imolante
e, em última análise, sem fins claros do terrorismo impõe um horror muito maior,
imaterial, cujas conseqüências tornam-se, assim, aparentemente infilmáveis.
O Festival do Rio e a Lei do Curta por
Eduardo Valente Sabe-se
que o Festival do Rio é co-realizado por um importante grupo exibidor (o Estação),
que também possui um braço distribuidor (braço este que aposta cada vez mais na
distribuição de filmes brasileiros, inclusive estando ligado a um dos filmes competidores
do Festival, O Cheiro do Ralo, o que abre um precedente no mínimo questionável
de postura ética – como se pode competir num Festival em que os organizadores
do mesmo têm interesse direto na melhor performance de um dos concorrentes?).
Dentro deste contexto, longe de mim achar que a programação dos curtas em competição
na Première Brasil tenham algo a ver com a discussão recente da volta da Lei do
Curta, onde exibidores estão frontalmente contrários à mesma (e, se vale dizer,
eu também não gosto da Lei, embora por motivos completamente distintos dos financeiros,
que os exibidores temem). Mas que não deixa de ser engraçado perceber o quanto
o Festival parece querer validar a tese de que um curta mal programado com um
longa pode ser uma experiência chocante, lá isso parece. Fato é que, diante da
exibição casada de Acossada e O Cheiro do Ralo, de O Caderno
Rosa de Lori Lamby e O Céu de Suely, de 14 Bis e Antonia,
de A Balada das Duas Mocinhas de Botafogo e Os 12 Trabalhos, só
se pode pensar que ou o Festival criou um conceito fascinante de montagem dialética
que quer educar o público sobre as múltiplas possibilidades do cinema, ou faltou
qualquer critério nessa junção – especialmente critérios de sensibilidade artística.
A outra opção é a da revolta contra a Lei do Curta – mas essa, juro, nem eu compraria.
Só como piada, porque é boa.
Recursos pra Casseta por Leonardo Mecchi
Criticada algumas vezes por pregar um cinema distante do
Estado e utilizar recursos públicos para produzir seus sucessos de bilheteria,
a Globo Filmes parece ter resolvido partir para o ataque, colocando em xeque através
do mais recente filme da trupe do Casseta e Planeta a própria estrutura
na qual se fundamenta a atual produção brasileira. Primeiro longa-metragem
de grande orçamento a ser realizado após a retomada sem nenhum recurso
incentivado, Seus Problemas Acabaram foi viabilizado com recursos (financeiros
e materiais) próprios da Globo e através de investimentos diretos
de marketing de algumas empresas parceiras. Mesmo assim, o filme começa
como qualquer outro filme brasileiro: com um ostensivo marketing empresarial.
Porém, ao invés dos habituais mecenas do cinema brasileiro
Petrobras, Furnas, BNDES etc o que vemos é um comercial das...
Organizações Tabajara. Em sua própria versão do choque
de capitalismo proposto por Gilberto Gil para o cinema brasileiro, a produtora
carioca expõe explicitamente a picaretagem e o engodo, onde antes havia
um pretenso selo de respeitabilidade, identidade cultural e compromisso social.
O alvo torna-se mais explícito na seqüência onde os personagens
de Murilo Benício e Maria Paula pegam um táxi. Nele, o motorista
logo dispara Mas isso aqui não é um filme brasileiro! Cadê
a pobreza? Cadê a favela? Se não tem pobreza nem favela não
é filme brasileiro!. Retoma-se aqui a antiga controvérsia
que assombra o governo Lula desde seu início: haveria, então, uma
patrulha ideológica, uma espécie de dirigismo cultural? Só
é filme brasileiro e, conseqüentemente, digno de receber recursos
de editais se mostrar a realidade brasileira (leia-se pobreza/favela)?
(Apenas como curiosidade, vale ressaltar que o personagem do taxista foi originalmente
concebido para ser interpretado por Arnaldo Jabor, justamente um dos arautos convocados
pela Rede Globo para disparar sua pesada munição contra o projeto
da Ancinav). Mais a frente no filme, há um cartaz no escritório
do advogado idealista com os dizeres Meia-entrada pra quem tem meia-bunda.
Fazer caridade com o chapéu alheio é fácil, parece
dizer a Globo. Finalmente, já nos créditos, lê-se em destaque:
As surubas nos intervalos da produção foram patrocinadas pela
Lei Rouanet. Mais direto só se viesse com nota de rodapé (ou
seria uma?). Curiosamente, na mesma semana que o filme entra em cartaz, a
Folha de S. Paulo publicou um editorial
(infelizmente só acessível na web para assinantes do jornal ou do
UOL) em que retoma pela enésima vez a problemática do investimento
público no cinema brasileiro. Mas, desta vez, foca-se justamente nas grandes
produções no que parece irmanada com o lançamento
do filme dos Casseta. Fica a curiosidade: será que com um eventual fracasso
deste, a Globo volta a correr atrás dos recursos incentivados? A seguir
cenas dos próximos capítulos mais especificamente, no filme
da Grande Família.
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