bloco de notas - dezembro 2006
Ho-ho-ho,
APCA por Eduardo Valente
Chegou aquele tempo do ano em que os críticos se reúnem
para distribuir presentes para os artistas, em seus prêmios anuais. Eu aqui
do meu lado acho no mínimo esquisito que isso aconteça no começo
de dezembro, como se o último mês do ano não contasse, mas
vá lá que seja - afinal, as motivações para essa ejaculação
precoce são mais que conhecidas: com a verdadeira enxurrada de prêmios
que há hoje em dia, cada um tenta antecipar sua data cada vez mais, para
dar a notícia primeiro. Por isso, pululam notícias nos nossos jornais
sobre os premiados do ano na indústria cinematográfica americana
- onde cada cidade com mais de dez mil habitantes parece ter uma Associação
de Críticos. Inclusive, parece que o Clint Eastwood tem confundido alguns
jornalistas com essa história de fazer dois filmes, porque estão
atribuindo prêmios de um para o outro - o que num mundo em que os prêmios
parecem mais importantes que os filmes, talvez faça mesmo sentido.
Aqui no Brasil, são menos comuns estas listas de "escolhidos dos críticos"
circularem. Mas foi esta semana que os críticos da APCA se reuniram para
escolher seus favoritos do ano, como eu soube lendo o blog de Luiz Carlos Merten.
A APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) organização
que tem o peso de 50 anos de História, a julgar pelo que vi, parece estar
envelhecendo mal. Afinal, Merten elogiava a reunião de escolha dos melhores
do cinema em 2006 porque (aparentemente, pela primeira vez) os filmes foram discutidos
nessa reunião. Fiquei surpreso com essa informação, ainda
mais passada assim com tanta candura e orgulho: os críticos, finalmente,
discutiram filmes! Mas, Merten nos informa mais: eram 6 os votantes do prêmio.
Sim, isso mesmo, seis pessoas votaram o principal prêmio de crítica
do pais - e olha que, vendo os júris de outros setores da APCA, foi um
dos mais concorridos! Não é por nada não, mas o prêmio
da Associação dos Críticos de Fort Lauderdale deve ter mais
gente participando. Entre confuso e chocado, fui ao site
da APCA saber mais sobre os resultados, e descobri um endereço eletrônico
dos mais sintomáticos. Primeiro, porque aparentemente os seus prêmios
são o único assunto de interesse para a APCA: na capa, em destaques
fotos de Marilia Gabriela presente na entrega do ano passado (sempre um belo affair
black-tie com presença garantida de Amaury Junior); enquanto na seção
de notícias, desde abril de 2006 só havia quatro anotações
- sendo uma sobre a premiação de 2005, uma anunciando a data da
de 2006, e outra, de ontem, com os vencedores. Afinal de contas, será que
a APCA é só isso mesmo? Bom, no (extremamente breve) link com o
"histórico" da associação, não consegui
encontrar nenhuma outra explicação/função da Associação
atualmente, mas pelo menos lá se fala da sua criação com
o interesse em "veicular o teatro e suas preocupações pertinentes
a São Paulo" (ela surge voltada para teatro, mas ao incorporar outras
manifestações na década de 70, suponho que tenha passado
este objetivo para elas - suponho, porque o site não diz nada muito mais
substancial). Agora, fica a pergunta: será que a APCA acha que está
cumprindo o seu papel? Será que ela se tornou apenas um lugar para organizar
um convescote anual para fornir de fotos o seu site, e de lambuja um monte de
revistas de celebridades? Numa época em que tanto se faz debates por aí
discutindo a "função da crítica", pelo visto a
função como definida por eles mesmos (os críticos) é
bem banal. Não é por acaso então que o público, os
editores da grande mídia e os organizadores de eventos e produtores cada
vez mais pensem isso também. Canto
do Inácio por Francis Vogner dos Reis
Inácio blogueiro A
notícia não é tão nova, mas cabe dizer: o blogueiro e cinético Diego Costa Assunção
criou o blogue Canto do Inácio
para compilar o que o crítico Inácio Araújo escreveu para a Folha de São Paulo.
Em sua maior parte, temos basicamente os textos de sua micro coluna diária do
caderno Ilustrada. Lendo o material dá pra perceber o que diferencia Inácio de
outros colegas da grande imprensa: concisão, gosto pelo cinema (mais do que pelos
temas, o que é importante) e uma argumentação que visa, sempre, tratar do que
é específico dos filmes, não do que é generalizante, óbvio, meramente informativo
e redundante. Ler os textos disponíveis no Canto do Inácio, nos leva a questionar
duas idéias correntes, que, se são raciocínios lúcidos por um lado, não se cristalizam
em verdades definitivas: uma é a de que o pequeno espaço dedicado à crítica em
muitos jornais é o responsável por não existir reflexão satisfatória sobre cinema
na grande imprensa, e a outra (mais compreensível), é a de que não existe crítica
nos grandes jornais. Sentenças essas que não devem ser ignoradas, mas que geralmente
servem de desculpa. Mas no fim das contas a conclusão é de que Inácio Araújo é
exceção. E sem dúvida, se sua coluna fosse maior, teríamos uma fortuna crítica
invejável no Brasil. Mas são hipóteses, assim como podemos hipotetizar “e se Inácio
tivesse feito uma carreira de cineasta” ou “se Rosemberg, Jairo Ferreira e Tonacci
tivessem filmado mais”. Aqui é terra das hipóteses. Realização, ainda, é artigo
de luxo. A crítica e a realização Desde os
textos do festival de Brasília, Inácio tem mandado material inédito e exclusivo
para que seja postado no blog Canto do Inácio comandado por Diego. Em alguns desses
posts nos deparamos com reflexões sobre a crítica divididas em três partes. As
três falam de crítica e realização, que parece, pelo menos na atual conjuntura,
coisas inconciliáveis. Inácio, sabemos, é crítico, mas já foi realizador com seu
episódio Aula de Sanfona, no longa-metragem As Safadas, no início
da década de 80. Fala que em um dos debates sobre crítica no Festival de Brasília
não havia realizadores na platéia, e em outro, só havia um realizador que queria
ouvir uma avaliação sobre seu filme. Em outro texto, discorda de Eugênio Bucci
que diz que a crítica sobre um filme brasileiro pode vir a influenciar um cineasta
brasileiro e o americano “está se lixando” para o que se fala de seu trabalho.
O quadro é sintomático e parece dividir o cinema entre especialistas: esse filma,
esse outro escreve...e por ai vai. Mas a questão que realmente me motiva nisso
tudo é a seguinte: por que é considerada normal essa fissura entre realização
e reflexão sobre as imagens? Não falo nem de crítica propriamente dita (a função
de escrever em um espaço), mas de reflexão mesmo. Hawks e Mojica não eram críticos
como Godard e Rivette, mas suas escolhas eram baseadas na reflexão de o que fazer
com a câmera e que escolhas tomar. Muitos cineastas hoje parecem incapazes de
se questionar sobre o que fazem. O editor da Cinética, Cléber Eduardo, faz reflexão
semelhante em sua cobertura para o Festival de Brasília sobre o filme Batismo
de Sangue. Inácio e o cinema brasileiro de 2006 Inácio
Araújo, como único convidado da grande imprensa a integrar a votação da crítica
independente na Mostra de Cinema de São Paulo deste ano, pode ter parecido aos
olhos mais desconfiados, um mecenas, que só veio legitimar o coro de “clubinho”
de certos críticos. Bobagem. No Canto do Inácio ele discorre sobre dois filmes
queridos – por uns mais, por outros menos – da crítica independente (pra usar
o termo que agrega os críticos a quem me refiro): O Ano em que Meus Pais Saíram
de Férias e O Céu de Suely. Se ele é somente simpático ao filme de
Cao Hamburger, ele não demonstra muito apreço pelo trabalho do Karim Ainouz. Ele
constata e provoca duas questões, que, concordando ou não, não são nada desprezíveis
porque tocam em pontos que pareciam ter sido mais bem resolvidos nos referidos
filmes: tema e clichê. O tema nO Ano e clichê nO Céu. Ele viu uma
tentativa de respeitabilidade – por meio do tema da ditadura – no simpático filme
de Cao Hamburger e de ressignificar a imagem do nordeste – atualizar, escapar
dos clichês – no filme de Ainouz, e segundo o crítico, apesar do esforço, são
sobra muito além do abandono dos clichês. Não que eu concorde em tudo (gosto dos
filmes), mas vejo em ambos os filmes, o fantasma da responsabilidade. A responsabilidade
do cinema brasileiro de ter que tocar em certos temas e formas. O cinema brasileiro
vive ou sob o estigma da responsabilidade, ou sob o estigma do mercado. Está ai
um problema a se pensar.
Cassavetes
sim, Brakhage não por Eduardo Valente
É o clássico caso
do "quer primeiro a boa ou a má notícia?". O injusto aqui
é que a boa já está mais do que noticiada na grande mídia:
a mostra completa do cineasta John Cassavetes que chega aos CCBB do Rio e de Brasília,
com curadoria de Joel Pizzini. É, sem dúvida, um dos grandes eventos
de 2006, já quase no apagar das luzes do ano. Loas ao CCBB sim, mas principalmente
aos produtores da mostra que, assim como era o caso na outra grande mostra internacional
do ano (a de Agnès Varda, em agosto/setembro, possibilitade pelo CCBB de
SP), fazem milagre produzindo o transporte e aluguel destas cópias com
orçamentos bastante reduzidos em termos de custos internacionais. Infelizmente,
os produtores da mostra que seria dedicada ao cineasta americano Stan Brakhage
no Rio em janeiro (fazendo com Cassavetes uma dobradinha complementar fundamental
do cinema americano independente) não tiveram a mesma sorte, e devido a
exigências internacionais mais encarecedoras, acabaram precisando cancelar
o evento. Não se pode ganhar todas, não é mesmo?
Cota
de telas jogando contra? por Eduardo Valente
Acerca do artigo em que discutimos
aqui a questão do lançamento
desproporcional de alguns filmes brasileiros recentes no mercado, um leitor
nos escreve citando um dado que passou desapercebido, mas que pode ser substancial
nestes recentes lançamentos inflacionados. O caso é que o ano vai
terminando, e devido em grande parte ao fracasso quase geral dos filmes que se
esperava que fossem candidatos a blockbusters nacionais do ano, muitos
dos exibidores estão tendo dificuldade em cobrir a cota de telas mínima
dedicada ao cinema nacional. Com isso, a equação fica completa:
exibidores precisando mostrar filmes brasileiros mesmo que incertos sobre o sucesso
destes, distribuidores pegando filmes com custos de lançamento pagos por
editais públicos e produtores sedentos por chegar ao máximo de público
possível. O resultado pífio nós já comentamos, mas
o curioso dessa equação é ver como um mecanismo de suposta
proteção ao cinema brasileiro ajuda a que ele se torne alvo mais
fácil de ataques, num autêntico círculo vicioso à la
Tostines: o filme é lançado grande demais e se torna um fracasso,
ou é um fracasso porque é lançado grande demais? No fim das
contas o resultado é o mesmo: nuvens cinzentas no horizonte. Revelando
na TV por Eduardo Valente
Há alguns meses eu escrevi aqui na Cinética
sobre a experiência dando aula no projeto Revelando
os Brasis. Eu fechava aquele texto falando justamente da ansiedade que sentia
em ver prontos os trabalhos dos alunos. Pois bem, não só eu posso
fazer isso agora, como todos os leitores que tenham os canais da Globosat em casa:
na Futura, toda terça-feira, 23h30, é exibido um dos 37 filmes realizados
dentro do projeto, sempre acompanhado de uma pequena entrevista com os realizadores.
É uma senhora oportunidade de conhecer os resultados práticos desta
que é uma das grandes idéias surgida numa gestão do Ministério
da Cultura que foi marcada por várias boas idéias - embora nem sempre
podendo ser levadas para a prática a contento, como vemos acima. Vale olhar
ainda o site do projeto, para
entender melhor como ele funciona. Segregação
nas prateleiras por Eduardo Valente
Essa quem me contou foi o chapa
Gilberto Silva Jr, redator da Contracampo. Empolgado com o novo filme de Scorsese,
Os Infiltrados, decidiu ir procurar o filme de Hong
Kong em que ele se baseou, Conflitos Internos (Infernal Affairs).
Dentro da sua lógica, foi logo na locadora do Estação, ligada
ao circuito de cinemas do mesmo nome - mas para sua surpresa o filme não
tinha cópias lá (ainda que Os Infiltrados estivesse passando
ali do lado, em salas do Estação). Um tanto desolado, ficou em dúvida
de onde poderia achar o filme. Resolveu, por desencargo de consciência,
experimentar a locadora da esquina da sua casa, a pequenina Thunder Vídeo,
famosa pela... bem, nada famosa e dona de acervo mais que limitado. Pois não
é que lá estava Conflitos Internos, disponibilizadíssimo?
No curioso e exemplar "causo", não há vilões
nem heróis, apenas uma constatação: de um lado, 90% do mercado
de locadoras do Brasil é formado por "locadoras de bairro", que
simplesmente ignoram quase qualquer coisa que não seja filme de ação
ou comédia, e que fazem com que seja tão difícil para distribuidoras
apostarem em títulos mais arriscados, acabando por reproduzir nas prateleiras
as mesmas deficiências do circuito de cinema. Por outro lado, fechado no
seu conceito estreito de "cinema de arte-bistrô", locadoras como
a do Estação cismam em ser mais realistas que o rei e, como mostrado
no caso acima, esbanjam preconceitos com o suposto "cinema impuro" onde
tantos outros de seus cineastas-heróis cismam de ir buscar inspiração
- pelo menos até que entrem na moda ou sejam referendados por alguém
(à la cinema de artes marciais pós-O Tigre e o Dragão).
Quiçá o mesmo aconteça com o cinema de ação
de Hong Kong via Scorsese. Cada um em sua postura justifica a cegueira alheia,
e a incompreensão generalizada. Quem perde? Aqueles que acreditam que o
cinema deve ser sorvido sem pré-suposições, e que tanto gênios
como picaretas habitam em todos os lados.
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