Terra Vermelha (Birdwatchers),
de Marco Bechis (Itália/Brasil, 2008)
por Eduardo Valente

Cinema com causa

As primeiras cenas de Terra Vermelha dão o tom deste filme realizado pelo cineasta ítalo-chileno-argentino Marco Bechis. Nelas, logo entendemos o estado de penúria em que vivem um grupo de indígenas brasileiros em Dourados-MS – penúria material, mas também existencial-espiritual como logo fica claro com o suicídio de duas índias. Bechis quer com o filme explorar este estado dos índios na sociedade contemporânea brasileira, ilhados que estão entre uma relação cada vez mais complexa com o homem branco que o cerca e uma impossibilidade de manter sua subsistência junto às florestas naturais.

Se o parágrafo acima descreve de maneira bem sucinta aquilo que veremos na tela ao longo das quase duas horas do filme, resume também os principais problemas de Terra Vermelha: munido de uma “missão revelatória”, por assim dizer, Bechis se atrapalha na necessidade de fazer este painel que deseja cumprir caber com um mínimo de sentido no formato da ficção cinematográfica, uma vez que tudo que vai colocando em cena parece surgir tão somente para ilustrar partes desta teoria relatada acima. Se outro dia mesmo afirmávamos em um texto que Versalhes não era um filme sobre moradores de rua, mas sim sobre dois personagens nesta situação, Terra Vermelha nunca consegue deixar de ser um filme sobre “a questão indígena”, onde a ficção fica em segundo plano. Ele opta por um formato em quase painel, realizado através de cenas que possuem uma estranha sensação entre a autonomia e a aleatoriedade, funcionando numa dinâmica de dramaturgia do acúmulo que, no entanto, não chega a construir-se como drama.

A câmera opta por não se ater apenas ao agrupamento indígena, e vai também penetrar na casa de um fazendeiro da região (na fronteira de cujas terras os índios acabam acampando) e no trailer de um capataz deste fazendeiro. Esta escolha revela-se um dos maiores equívocos do filme, pois estes núcleos claramente surgem em tela de maneira forçada, com os dramas entre o fazendeiro e sua mulher estrangeira e entre sua filha e um jovem índio parecem especialmente protocolares e desprovidos de vida ou interesse. Leonardo Medeiros cumpre seu papel de maneira um tanto automática, e a italiana Chiara Caselli soa absolutamente deslocada, algo entre uma necessidade de produção para incluir algum italiano no elenco e o desejo de tematizar um “olhar estrangeiro” naquele ambiente.

O filme é bastante mais poderoso quando se atém ao espaço dos indígenas pois, embora contando com um roteiro bastante preguiçoso e a serviço das situações mais esperadas para ilustrar todos os dilemas possíveis (confluindo, claro, para o mais que esperado conflito final), a presença cênica de alguns dos atores nativos é realmente notável. Todas as vezes em que estão em cena, Nadio (Ambrósio Vilhava),  Lia (Alicélia Batista) e Tito (Poli Fernandez Souza) possuem um magnetismo tal, que só nos resta lamentar que o filme não se dê mais tempo para simplesmente observá-los, porque em cada um dos seus rostos parecemos intuir muito mais o drama indígena do que nas idas e vindas narrativas que o filme tenta urdir. Ao tentar tudo ilustrar, Terra Vermelha, mesmo que não sem seus momentos de interesse, cai num desejo expositório que não dá conta da realidade (pois nem esta deveria ser a função da ficção), e acaba se distraindo daquilo de mais potente que tem em sua frente: a simples dimensão de poderosas paisagens naturais e humanas.

Outubro de 2008

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