in loco Diário
de Berlim - 3 por Leonardo Mecchi
As primeiras reações à participação brasileira em Berlim foram
bastante positivas. As duas principais publicações diárias aqui no Festival elogiaram
entusiasticamente a première de O Ano em Que Meus Pais Sairam de Ferias
na competição principal. A crítica do Hollywood Reporter diz que o filme
“é mais uma prova da maravilhosa retomada do cinema brasileiro” e que Cao Hamburger
“construiu soberbamente um filme de considerável sutileza e perspicacia”. Já a
Variety fala de um filme “sensível, delicado e envolvente” e que Hamburger
possui uma “habilidade mágica de manter a história leve e crível”. Considerando-se
também o burburinho que as garotas de Antonia estão causando, o Brasil
pode até sair sem prêmios da Berlinale (o que é bastante provável), mas já deixou
sua marca por aqui. *** Tuya's Marriage,
de Wang Quan’an (China, 2006) – Competição Tuya's
Marriage é um filme construído em duas camadas. Na primeira, temos a história
de Tuya, uma jovem mongol, mãe de dois filhos, que passa por uma série de suplícios
para sustentar e manter unida sua família. Como pano de fundo, temos o retrato
de uma comunidade que se esvai (os nômades da Mongólia), uma cultura prestes a
desaparecer em meio às exigências da modernidade e o aculturamento imposto pelo
governo chinês. Enquanto retrato dessa comunidade, Tuya's Marriage se aproxima
de obras como Mongolian Ping Pong e Camelos Também Choram, embora
o faça de uma forma menos exótica e idílica e mais próxima do cotidiano dessa
família. É como se Wang Quan’an quisesse com seu filme – e através desse microcosmo
da família de Tuya – preservar para a posteridade o modo de vida de todo o povo
mongol, num registro quase antopológico dos hábitos e da cultura dessa comunidade
em vias de extinção. Fica clara ao longo do filme a dificuldade
daqueles personagens em se adaptar às mudanças exigidas por essa modernização.
Daí a recorrência da bebida como uma forma de suplantar as dores, e o suicídio
como uma alternativa extrema, mas presente. O próprio cortejo de pretendentes
à mão de Tuya (que se divorcia de seu marido apenas para poder conseguir outro
homem que a ajude a sustentá-lo) parece indicar esse avanço inexorável da modernidade
sobre aquela família, com seus meios de transporte evoluindo a cada visita (indo
de cavalos para motos e, finalmente, para o carro). Mesmo a presença de um televisor
no momento em que o marido de Tuya tenta se matar, e o sonho de seu vizinho em
comprar uma caminhonete (uma vez que o amor de sua esposa parece estar condicionado
às suas posses), demonstram essas mudanças culturais que assolam os mongóis, num
simbolismo semelhante ao encontrado na bolinha de pingue pongue em Mongolian
Ping Pong. Todas essas questões surgem e são desenvolvidas
a partir de Tuya e suas relações: com os filhos, com o marido incapacitado, com
o vizinho que nutre uma paixão secreta por ela, com os novos pretendentes e, finalmente,
com seus afazeres cotidianos. É na identificação do espectador com essa personagem
(e, através dela, com toda a cultura mongol), que o filme aposta todas as suas
fichas - e é justamente aí que reside sua principal fraqueza. Embora Yu Nan faça
um bom trabalho como a protagonista do filme, há pouco espaço no roteiro para
que essa identificação ocorra de fato, como quase ocorre nas cenas onde Tuya e
os filhos vão visitar o pai no hospital ou quando ela parte atrás do filho mais
velho em meio a uma tempestade de neve. Dessa forma, o choro
de Tuya ao final do filme não nos comove mais do que quando o observamos no início
da projeção. Não estamos mais tocados ou envolvidos com aquela personagem do que
estávamos na primeira vez em que a vimos na tela. Sentimos pena dela, é verdade,
mas não compartilhamos sua dor e, com isso, perde-se o que parece ser uma das
principais intenções de Wang Quan’an com seu filme. *** O
Milagre de Anne Sullivan (The Miracle Worker), de
Arthur Penn (EUA, 1962) – Retrospectiva Arthur
Penn é o homenageado desta edição do Festival de Berlim e receberá um Urso de
Ouro honorário pelo conjunto de sua obra. Em função disso, uma retrospectiva de
seus filmes está ocorrendo paralelamente ao Festival. Aproveitando a ocasião,
arranjei um jeito de assistir ao menos um dos filmes desse diretor que, tenho
que admitir, só conhecia por Bonnie and Clyde. E que excelente surpresa
foi assistir O Milagre de Anne Sullivan, adaptação de uma peça de Willian
Gibson, que o próprio Penn já havia dirigido na Broadway com as duas atrizes que
voltam aos mesmos papéis no filme: Patty Duke, como a garota cega e surda Helen
Keller, e Anne Bancroft como Anne Sullivan, a tutora que tentará educá-la. A
surpresa veio primeiro por uma questão que passa longe da maioria das retrospectivas
desse tipo no Brasil: embora o filme seja de 1962, a cópia 35mm que foi exibida
estava impecável, como nova, embora não houvesse legenda em alemão (o que parece
não ter incomodado nenhuma das mais de 150 pessoas que lotavam a sala – e, certamente,
não faria a menor diferença para mim). Interessante notar que o filme
passa longe dos problemas que normalmente acompanham as adaptações de obras teatrais,
em grande parte pela direção segura de Penn, com algumas tomadas e enquadramentos
surpreendentemente modernos. Curioso notar também como Penn transitava tranqüilamente
entre diversos gêneros dentro do mesmo filme, indo do melodrama mais rasgado à
comédia, e ao suspense hitchcockiano com a maior desenvoltura. Se essa espécie
de “Supernanny encontra O Exorcista” pode parecer em alguns momentos
exagerado demais para os olhos de hoje, a direção de Arthur Penn e as interpretações
das duas atrizes (que levaram o Oscar tanto de atriz principal como de coadjuvante)
continuam igualmente impressionantes.
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