in loco Dia
6: Pop cinema por Kleber Mendonça Filho
Filth and Wisdom, de
Madonna (Inglaterra, 2008) – Panorama Madonna
foi o circo de mídia do Festival de Berlim – tipo de coisa que só acontece em
festivais de grande porte como esse. Seu primeiro filme, Filth and Wisdom
(Lixo e Sabedoria, numa tradução literal) passou pela manhã numa sala de
400 lugares, deixando uns 500 jornalistas do lado de fora. Trata-se de uma produção
pequena, feita e projetada em digital, com 86 minutos de duração, sobre "material
boys" e "material girls" na Londres contemporânea, cidade onde
Madonna mora já há alguns anos. Ainda mais tumultuada foi a coletiva de imprensa,
onde Madonna jogou um charme irritante, composto por 35 minutos de atraso – excessivo
até mesmo para uma diva num festival onde todos os compromissos são cronometrados.
Tentativas de vaia foram soterradas por uma aclamação quase geral, provavelmente
de jornalistas que vêm dançando a mulher há 25 anos. Filth
and Wisdom, que poderá ter um lançamento alternativo via internet (ainda sendo
estudado), é uma crônica tranquila que passa uma certa honestidade. Madonna poderia
ter gasto milhões de dólares para fazer um filme tão fraco quanto esse, com pretensões
inúteis de lançamento nos cinemas, mas preferiu demonstrar nítida modéstia numa
obra que transmite um senso de escala (pequena) impossível de não ser elogiado.
Se esse tipo de postura pegasse, o mundo seria bem menos pedante, e dosado com
certa ingenuidade saudável, ou pelo menos uma ingenuidade colocada no seu devido
lugar. O filme tem a aparência de algo feito por um grupo de amigos em dois ou
três apartamentos, uma boate, uma farmácia e alguma rua londrina. Vendo
o filme eu me lembrei dessa sempre curiosa mistura de alguém cujo trabalho existe
na consagração da música pop, e que, repentinamente, surge com um filme. O arquivo
de cinema nesse sentido não é muito estimulante. Aqueles curtas de Jim Morrison
da UCLA, os home movies pavorosos de John e Yoko, da fase Imagine, Moonwalker,
de Michael Jackson (diretor contratado, concepção toda dele), Stewart Copeland
juntando a memória do The Police em Everyone Stares, o próprio Neil Young
aqui em Berlim com o doc CSNY Déjà Vu, o balanço é sempre curioso, mas
não muito positivo. O
personagem principal de Filth and Wisdom é o músico (e figura) Eugene Hutz,
ucraniano que está à frente da banda de punk cigano Gogol Bordello. Curiosamente,
Hutz estava no Marco Zero, menos de duas semanas atrás, tocando com DJ Dolores
no carnaval do Recife. Falei com ele à saída da coletiva. Me disse que depois
de passar o carnaval no Rio, Olinda e Recife, decidiu mudar-se para o Brasil.
É o lugar perfeito para compor, e anunciou show no Tim Festival 2008 (em outubro)
da Gogol Bordello. Sua base brasileira será o Rio de Janeiro. Filósofo residente
no filme ("ele que anda com faca termina cortando o dedo", um dos seus
ditados), seu narrador é personagem catalisador de anarquia moral. Com sua musicalidade
ucraniana, impossível não associar sua identidade a Borat – embora a graça de
Hutz seja a sua anarquia, e não sua ignorância. Presta serviços sexuais para senhores
da alta classe à procura de sofrimentos físicos controlados. Nesses momentos,
a imagem nos lembra o mundo Madonna do álbum e livro Erotica, ou do clipe Justify
My Love, de 1990. Duas outras personagens são garotas tentando
a vida na cara Londres: uma funcionária (Vicky McClure) de uma farmácia cujo dono
é um indiano casado com seis filhos, e por ela apaixonado. Ela veste-se e tem
o corte de cabelo de Jean Seberg, em Acossado, filme de Jean Luc Godard,
talvez a obra mais citada da história do cinema por jovens aspirantes à realização.
Curiosamente, a referência ingênua por parte dessa cineasta que nasce agora desperta
carinho e não tanto pena. A outra garota (Holly Weston) fica sabendo por Hutz
que ser stripper de boate dá dinheiro, especialmente para quem "já
nasceu com caixa registradora no próprio corpo", caso claro da simpática
loira em questão. Seguindo as instruções de uma experiente stripper londrina,
ela aprende a tirar a roupa no ritmo da música, e não deixa de ser emblemático
que o que toca na boate é Erotic e logo após, Oops! I Did It Again,
o clássico trash-teen de Britney Spears. Er... Nada
mais acontece, pra falar a verdade, e o filme, de narrativa incoerente revela-se,
na verdade, surpreendentemente pudico, com restrições a nudez e mesmo sexo, embora
o palavreado seja salgado. Há uma participação claramente afetiva de Richard E.
Grant como um poeta cego que mora no andar de baixo desse pessoal jovem e lutador,
e algumas inserções aleatórias de shows ao vivo do que talvez seja a Gogol Bordello
(com excelente som). ERÓTICA –Na coletiva, Madonna admitiu
o que o filme sugeria "que esses personagens têm algo do que eu mesma vivi
em Nova York, no final dos anos 70 e início dos 80, época em que a minha grande
preocupação era pagar as contas e ter um teto na grande cidade. Meu maior choque
foi perceber que, como eu, literalmente milhares de garotas também queriam dançar
e cantar, e isso fazia de mim alguém que não era especial, mas igual a todas".
Sobre o titulo do filme, disse que desde sempre enxerga a dualidade na vida, o
embate entre a luz e a escuridão, principalmente por ter vindo do meio oeste americano,
onde as pessoas são estimuladas a não ser diferentes. "Conheci a diferença
através do meu primeiro professor de dança, que era gay, e que me mostrou a diferença
especialmente nas boates gay que passei a freqüentar". Disse
que o filme seria originalmente um curta metragem de 20 minutos, mas que o interesse
e o amor pelos personagens a fez expandi-los. Disse ser fã do cinema de Godard
e um jornalista francês armou pergunta esperta, perguntando se ela pediu opiniões
e auxílios a amigos cineastas, ou se ela teria embarcado nessa experiência "like
a virgin". "Não achei nem tão esperta assim sua pergunta" (para
combater as gargalhadas que vieram segundos antes), e concluiu que dizendo que
pediu sim opiniões a amigos. "... mas no final das contas, você entende que
opinião é como cu, todo mundo tem um, e lhe resta você fazer você mesmo o que
acha melhor". A música ouvida no filme teve inspiração
em Eugene. Usou Erotica, dela mesma, por ela não cobrar dela mesma os direitos,
e de Britney Spears por conhecê-la e fazer preço amigo. Madonna disse também querer
ser secretamente cigana, "viajar, tocar música e ser autêntica. Espero ter
adotado algo disso no filme". Sobre a diferença entre dirigir suas turnês
e os shows, falou que num filme chega a ser frustrante pois você manda que outros
façam o que você quer, enquanto que nos shows, ela cria e ela mesma executa no
palco. Chegando aos 50, Madonna disse querer continuar fazendo música e filmes. Ainda
sobre idade, foi perguntada se hoje, casada e com filhos, arrepende-se de visuais
passados como o de Erotica, lembrado pelo próprio filme. "Eu não sei quem
lhe falou que pessoas casadas e com filhos abandonam o sexo e o erotismo, a aura
"Erotica". Você é casado, meu filho?", devolveu para o jovem jornalista
escandinavo, que respondeu, "er... não, solteiro". "Quando estiver
casado, conversamos", disse Madonna. Fevereiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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