in loco Dia
6: A recepção da Tropa, mais de Gitai e a hipnose de To por
João Cândido Zacharias Como
já se leu bastante, na sessão de imprensa de Tropa de Elite um descuido
absurdo fez com que o filme fosse exibido só com legendas em alemão, com boa parte
dos jornalistas presentes tendo que assistir à sessão com um fone de ouvido, escutando
uma tradução simultânea feita por uma única pessoa. Se essa idéia da dublagem
em fones já soa absurda por principio, escutar um filme, com vários personagens,
ser todo “lido” por uma única voz (e uma voz feminina, num filme centrado em personagens
masculinos!) é algo que vai muito além de simplesmente dublar um filme. Com um
filme como Tropa, que tem um uso do som tão especifico, tão forte, fica
pior ainda – porque o fone te impede de escutar o próprio filme direito, “briga”
com o que está na tela. Por tudo isso, deve ter sido uma experiência muito estranha,
que faz querer relevar todas as reações ao filme – e acho uma loucura um festival
do porte de Berlim deixar passar um furo desses.Dito
isso, os brasileiros em Berlim ainda estão quebrando a cabeça para saber como
foi a recepção de Tropa por aqui. Na sessão de imprensa, a interrogação
ficou no ar: se por um lado não houve aplausos ao final (o que eu acho bastante
concebível, depois de se ver o plano de um cara com uma espingarda atirando na
sua cara), por outro, a platéia pareceu bastante envolvida no filme, inclusive
rindo nas horas feitas para rir (como a cena da granada). A coletiva estava cheia,
mas não tanto, e foi esvaziando ao poucos. José Padilha, apesar de mostrar claramente
que sabe o filme que fez, não parecia ter muito timing para esse tipo de
evento. Mas ali na coletiva, sim, os estrangeiros pareciam ter gostado bastante
do filme. Na sessão de gala, ouvi dizer que houve aplausos, ainda que se limitando
ao "normal". No quadro da Screen, o filme está com nota 2,4, mesmo tendo
recebido duas notas maximás. Ou seja: nem lá, nem cá. * *
* Plus tard tu comprendras/Later, de Amos Gitai
(França e Alemanha, 2008) – Berlinale Special O
passado de volta O passado em seu papel de Historia volta
a se fazer presente em Berlim, depois do documentário Invisible Town. Plus
tard, o novo filme de Amos Gitai, tem como protagonista Victor, homem francês
atormentado por descobertas do passado de sua mãe e seus avós durante a Segunda
Guerra. A mãe (Jeanne Moreau) acaba de trazer à tona documentos que mostram que
seus pais foram mortos em campos de concentração. Victor, ao lado do resto da
família, tenta lidar com isso, enquanto a mãe se recusa a conversar sobre o assunto. Se
Plus tard é, por um lado, uma certa novidade dentro da carreira de Gitai,
por se focar na Segunda Guerra e deixar de lado as questões Israel/Palestina,
ele continua trazendo de volta várias de suas "marcas registradas" (os
longos planos-sequência, os personagens judeus, a força social da religião...).
Em última instância, Victor ainda é o mesmo personagem atormentado de todos os
seus filmes e essa repetição, ao contrário de fazer pensar numa re-análise, não
parece passar disso: simples repetição. Mas Plus tard tem pontos bem interessantes,
principalmente no trabalho de Jeanne Moreau e na fotografria em digital, com uma
secura que se encaixa estranhamente ao filme. * * * Sparrou/Man
Jeuk, de Johnnie To (Hong Kong e China, 2007) - Competição Kleber
fez um ótimo
texto sobre Sparrow, essa nova bizarrice de Johnnie To. Mas eu não
podia deixar de adicionar aqui o meu encanto diante dessa paixão louca de To por
imagens em movimento. Como é possível que mesmo a cena de um homem caminhando
pela rua possa ser tão magica e cheia de energia? Para mim, ainda faz parte daquela
longa lista de mistérios do cinema. A sequência dos guarda-chuvas, lá no final,
me tirou o chão. Sparrow, em suma, é exatamente aquilo que Kleber falou:
um típico filme "Que porra é essa?", um ET dentro do cinema feito hoje.
A surpresa mais deliciosa desse festival. Fevereiro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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