in loco - cobertura dos festivais
Barba Azul (Barbe Bleue), de
Catherine Breillat (França, 2009)
por Filipe Furtado
Uma
encenação frontal
É uma pena que sobre Catherine
Breillat resida a pecha de cineasta provocadora. Trata-se de um desses atalhos
críticos que, uma vez atribuídos, parecem destinados a nunca mais serem retirados.
Diante de um filme como Barba Azul – ou o anterior A Última Amante
do qual este não deixa de ser uma espécie de seqüência – percebemos como atalhos
como este são vazios de significado. O suposto choque pelo qual a autora se notorizou
é só conseqüência do olhar físico e direto que impõe sobre o mundo.
Barba
Azul é um filme direto como lhe é de costume. Não há subterfúgios e sutilezas
nesta atualização do conto moral de Perrault sobre a jovem garota que se casa
com um nobre assassino de esposas. Há muito que o aproxima do anterior A Última
Amante. Ambos são filmes de época despojados, fascinados pela forma que códigos
morais de outro tempo ressoam hoje, mas Barba Azul não conta nem com uma
grande produção nem com a presença exuberante de Asia Argento como principal peça
à disposição de Breillat. Estas duas subtrações não só garantem que o filme, ao
invés da competição de Cannes, termine numa seção paralela de Berlim (há algo
mais falido que o atual sistema de festivais?), como, sobretudo, reforça o diálogo
que Barba Azul tem com o cinema recente de Manoel de Oliveira.
De fato, Barba Azul faz excelente sessão dupla com o novo filme de Oliveira,
Singularidades de uma Rapariga Loira – o que, por acaso, aconteceu no Festival
do Rio. Ambos os filmes se encaminham em direção a armadilhas pré-anunciadas onde
uma pequena escolha errada das protagonistas desencadeia uma tragédia moral. Pois
o romance do ogro e da menina pode ter força para suspender o tempo, mas nunca
nos resta dúvida
de que em algum momento as personagens precisam retomar seus papeis na fabula
de horror. Basta uma escolha errada é Barba Azul se torna novamente Barba Azul,
o assassino de esposas. Não há perdão ou clemência possíveis. Uma escolha e todas
as fragilidades do mundo daquelas personagens ficam claras. Mas, o que mais aproxima
Barba Azul do cinema de Oliveira é sua encenação frontal. As coisas no
mundo de Barba Azul são exatamente o que aparentam ser. O casamento entre
a jovem e o ogro é firmado no primeiro encontro entre eles justamente por reconhecerem-se
pelo que são: o ogro quer a jovem pela sua inocência, ela não o teme pois seu
mal não é dissimulado. Cada imagem do filme obedece à mesma lógica plana e clara.
Se o cinema de Catherine Breillat é explicito, não é pela falta de pudor em filmar
o sexo, mas pela frontalidade dessas imagens. Cada plano leva ao seguinte de forma
exata e inevitável. A clareza com que seus personagens buscam, e fracassam em
conseguir, é a maior qualidade de Barba Azul. Naquela
que é sua cena mais bela – a mais bela de todo o cinema de Breillat? – vemos a
jovem observar escondida ao seu marido se trocar. Barba Azul define a si mesmo
como um ogro e a câmera de Breillat nos dá a medida exata do fascínio que o corpo
grande e disforme de Dominique Thomas exerce sobre o olhar da garota. Barba Azul
pode sim ser um ogro que desperta o horror nas demais garotas da região, mas para
a jovem protagonista de Breillat o que importa é que ele está ali. A força da
sua presença física é muito maior do que qualquer consideração estética. Curiosidade/desejo/sexo
raramente ganham corpo com tanta força como neste pequeno momento. Temos ali também
a certeza que trata-se de um momento que não poderia pertencer a outra cineasta
que não Catherine Breillat. Setembro de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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