Banquete do Amor (Feast of Love),
de Robert Benton (EUA, 2007) por Francis Vogner
dos Reis Amor e dor a uma distância seguraRobert
Benton não é um cineasta de trabalhos muito memoráveis, embora seu filme mais
famoso, Kramer versus Kramer, ganhador do Oscar de melhor filme, tenha
lhe dado prestígio em algumas plagas como cronista de dramas familiares. Lendo
a filmografia do diretor no IMDB vê-se ali uma porção de filmes meio opacos, apesar
de dignos (Fugindo do Passado, Nadine, O Indomável) e nota-se
que sua preocupação dramática é antes a relação entre pessoas de gerações (e pontos
de vista) diferentes, do que exatamente questões restritas ao círculo familiar,
mesmo que haja sempre relações de filiação, traumas e núcleos familiares. Portanto
Banquete de Amor se integra perfeitamente a sua filmografia. Infelizmente,
Benton é daqueles cineastas artesões de personalidade borrada pelo seu lado de
burocrata. Essa burocracia impede que este Banquete do Amor seja o que
pretende. O filme trata de uma rede de relações e responsabilidades entre algumas
pessoas unidas por laços de amizade e de companheirismo. Morgan Freeman é a consciência
moral do filme: narrador e personagem, ele observa, narra, comenta e participa
das histórias, dos encontros e desencontros entre os personagens. As próprias
vicissitudes de sua vida tomam corpo durante o filme, ele próprio (como personagem/narrador)
é vulnerável em razão de um recente trauma em sua vida: a perda do único filho.
Como bem observou o amigo Paulo Santos Lima em crítica na Folha de S. Paulo, a
presença central de Freeman vem de encontro ao discurso pretendido pelo filme,
que é a da complexidade da vida, da inconstância das coisas e dos sentimentos,
do amor como prenúncio de dor. Só que se isso ganha corpo nos vincos do rosto
de Morgan Freeman e na integridade humana que este grande ator nos transmite (e
nos faz acreditar), o que cabe ao diretor Robert Benton não soa muito consistente,
e ao contrário de Freeman, verdadeiro. Banquete
do Amor é atraente, porque há ali algumas questões realmente sérias, cuidados
e generosidade na caracterização das dores e das escolhas dos personagens, comedimento
nas chantagens do melodrama e cautela para escapar do cinismo adotado como marca
nos “dramas humanos” americanos mais contemporâneos – tendo em Alexander Payne
exemplo (de erro) cabal. É realmente louvável a tentativa de não encarar dores,
traumas e limitações dos personagens sob o viés da patologia psicológica fatídica
e da ridicularização cúmplice. Em razão de tudo o que Benton tenta fugir, vê-se
que o sentimento presente no filme é louvável, estimulante e humano. Só que ao
mesmo tempo em que enxergamos essa vontade, existe também um distanciamento um
tanto frio, o que nos faz questionar se Banquete do Amor é mesmo generoso
ou se na verdade é cauteloso ao extremo a ponto de manter uma distância segura
daqueles dramas, o que faz tudo soar conciliador, frio e calculado. Frieza
e distanciamento, o cineasta como analista: entre silêncios e apontamentos de
“atos falhos” o problema de Benton em Banquete do Amor é essa postura do
cineasta como codificador de sentidos. Certamente essa busca exasperada por sentido
é o que faz com que o filme, apesar de orientação inicial diferente, esteja mais
próximo do resultado daqueles dramas familiares cínicos que fizeram a fama do
cinema indie da década de noventa pra cá. É como um estudo que revela a
causa (no caso, também a cura) do inferno experimentado pelos personagens. Existe
uma autonomia dos personagens, o que poderia tornar tudo um pouquinho mais complexo,
fora do dualismo tristeza-felicidade, dor-alegria ou mesmo fora da “ditadura do
diretor”. Mas essa autonomia funciona mais como uma transferência de responsabilidade
para o personagem, do que uma visão do cineasta. Esse tipo de atitude omissa faz
de Banquete do Amor um filme morno, opaco, sendo que qualquer filme com
algum grau de coragem prefere ver os personagens a partir de onde se encontram
e até mesmo se perder com eles. É possível nos lembrarmos
de algum grande drama no cinema que apela para o bom senso no fim das contas?
Ou é mais fácil lembrarmos-nos daqueles – grandes - filmes que se perdem com seus
personagens? Falsa Loura ainda está em cartaz, respondendo essa pergunta. Maio
de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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