Assalto ao Banco Central, de Marcos Paulo (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso

Estrada para YthacaA verdadeira defasagem

Em seu texto sobre o filme VIPs, Eduardo Valente apontava uma constatação simples: "cópia piorada de matriz estrangeira -é isso a que aspira o cinema nacional?". Porém, segundo o texto, esta conclusão poderia, por inércia, impedir o crítico de adentrar nas reais nuances do filme de Toniko Melo. De certa forma, a idéia vale para Assalto ao Banco Central, ainda que não se possa ignorar o simples fato de que a matriz estrangeira está clara: o "filme de golpe", no qual um grupo tenta executar o plano perfeito e faturar uma bolada - e isso fica evidente em como o filme de Marcos Paulo macaqueia a elegância de Onze Homens e um Segredo, emulando os martinis secos do mais caro gim, os ternos cremes do mais fino tecido, os vestidos sexys e ousados da bela mulher em jogo na história.

Se por um lado, a defasagem em relação à matriz estrangeira é dado presente, por outro, há algo de podre no reino da Dinamarca: Assalto ao Banco Central é claramente mais um veículo da dramaturgia "Padrão Globo de Qualidade", onde o que está em jogo não é aproximação com o contexto histórico ou sua observação (lidando com ele a partir da ficção), Estrada para Ythacanem o diálogo com a cultura e a história do país, mas sim uma reprodução de arquétipos tomados como "universais", mas que apenas refletem um olhar para o mundo da própria emissora.Primeiro, as personagens, que parecem saídas de um manual de estereótipos: o golpista-líder bonitão e gente boa; a mulher burra amante do poder e do dinheiro; o comunista; o brutamonte; o traidor; a dupla de policiais (um em vias de se aposentar e outro mais jovem). Todos seguem seu padrão de comportamento, baseado em sua única característica, identificável logo no primeiro contato com o espectador (a personagem de Hermila Guedes diz em sua primeira cena "eu gosto de homem que manda"). Isso fica mais evidente a partir de dois personagens cuja característica única é sua função no grupo, explicitada por seus nomes: Barão, o mandante do crime; e Tatu, aquele que cava o túnel.

Essa galeria de personagens piloto-automático cria um efeito cascata: os conflitos são clichês, as resoluções, previsíveis, os diálogos são um catado de frases prontas de efeito saídas da mais canhestra literatura policial. Isso prejudica qualquer atuação, o que explica porque todo o elenco do filme está pavoroso, mesmo bons atores como Hermila Guedes e Gero Camilo. Algo está fora do lugar. A razão é fácil: idéias prontas. Em Assalto ao Banco Central, a opção é sempre pelo óbvio, pelo raso, pelo estereótipo. É aí que o filme mostra sua origem, sua verdadeira matriz. Se a imagem audiovisual pode conter em si dois níveis (o visível e o invisível), o que tem marcado a teledramaturgia global não é exatamente lidar (e intencionalmente buscar) apenas com o visível, o técnico, o efeito, o reconhecível, o ordinário?

Estrada para YthacaAssalto ao Banco Central
parece, nesse sentido, apenas mais uma peça dentro do processo da dramaturgia da emissora nos últimos anos, no qual há um fechamento de portas, uma cegueira em relação aos processos culturais do país, um autismo político como se seu contexto não conviesse e então se faz necessária sua suplantação por algum outro saído quentinho dos fornos do Projac. Se, décadas atrás, a telenovela era capaz de lidar com questões de conflitos de classe, relações políticas e os dados culturais com alguma destreza e inventividade (o que pode explicar o sucesso da reprise de Vale Tudo e Roque Santeiro), hoje parece improvável que sua dramaturgia consiga atrair o público se não pelo costume enraizado no cotidiano da população de ligar seu aparelho na hora da novela - e a dependência cada vez maior dos reality shows parece um dado a se levar em conta.

Assalto ao Banco Central ignora passar-se no Ceará, e não em qualquer cidade do mundo que sirva um Dry Martini; trata o relacionamento homossexual de uma das personagens como algo misterioso e rasteiro, mero acessório para uma piada final, sem encarar de frente as implicações pessoais e profissionais num meio ainda bastante preconceituoso; e mostra o crime mais misterioso do Brasil como um golpe perfeito arquitetado por alguém (o personagem Barão) ímpio de razões e origens político-sociais, como um verdadeiro mandante que não se mostra, nem se aponta, muito menos interessa apontar, como numa teoria de conspiração, também recheada de clichês. Uma dramaturgia que ignora o diálogo com o lugar, suas mutações sociais e  suas relações políticas, é incapaz de refletir o seu país. Essa é a verdadeira defasagem de Assalto ao Banco Central.

Junho de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta