Um Doce Olhar (Bal),
de Semih Kaplanoglu
(Turquia/Alemanha, 2010)
por Fábio Andrade
Exotismo às avessas
Um
Doce Olhar faz menção
de delicadeza, mas não há nada de delicado em sua
agenda estética. Ao contrário, o filme se dedica a
cumprir, sem desvios ou rodeios, toda uma lista de exigências
imaginárias do cinema periférico para festivais. Há
o apelo-criancinha (e que ela tenha algum tipo de deficiência;
uma gagueira, sequer – tanto melhor); o apelo-floresta; o
apelo-exotismo; o apelo-bucólico (estamos a falar de um diretor
que faz filmes com títulos como Ovo; Leite
e Mel - na tradução literal deste Bal);
o apelo-duração; o apelo-frontalidade; o apelo-cenário
em profundidade; o apelo-tableau; o apelo-religião;
o apelo-chiaroscuro; o apelo-planos de janelas; o apelo-flashback;
o apelo-contraluz; o apelo-fatalidade; o apelo-desfoque; etc, etc,
etc.
Semih
Kaplanoglu, turco de nascimento e de projeto turístico, faz
um filme que preenche todas essas expectativas com a docilidade
servil dos imigrantes assimilados. O estrangeirismo não interessa
pela sua violência inerente, mas sim e tão somente
pela via controlada do exotismo e do cartão-postal. Quando
esse servilismo encontra a dose exata de ternura, Um Doce Olhar
nos reserva uma das cenas mais grotescas vista nos últimos
anos: a assimilação da gagueira de Yusuf (Bora Altas)
pela compaixão ao seu sofrimento (o desaparecimento recente
do pai) celebrada no aplauso dos alunos e motivado pela condescendência
culpada do professor, após mais uma tentativa frustrada do
garoto de ler uma frase até o final. O sofrimento - não
a diferença ou o empenho, mas tão somente o sofrimento
- é premiado com uma fita vermelha de honra ao mérito.
O problema maior de um filme como este
não está, porém, na repetição
sistemática de uma cartilha colonialista do cinema "para
gringo ver; uma vez que os colonizados, felizes em sua impossibilidade,
são mais dignos de pena (ou de riso) do que de raiva. O que
torna Um Doce Olhar um filme francamente detestável
é a maneira como ele desvirtua e corrompe, em nome desse
afago momentâneo, valores de convivência como sensibilidade,
delicadeza, doçura e compaixão.
Setembro de 2010
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