in loco - cobertura dos festivais
A Woman, a Gun and A Noodle Shop
(San qiang pai an jing qi),
de Zhang Yimou (China,
2009)
por Filipe Furtado
Imagem
fragilizada
A Woman, A Gun and a Noodle
Shop é um remake de Gosto
de Sangue, primeiro longa dos Irmãos Coen, o press-release
nos informa. È o dado mais importante do filme, pois este novo
filme de Zhang Yimou não existiria sem esta condição. Lógico,
dirá o leitor, nenhum remake existiria sem o original.
Mas o que torna esta afirmação relevante é o próprio filme original:
Gosto de Sangue é um pastiche de uma idéia de literatura
noir, tão genérico e derivativo a princípio, que se é a
idéia principal de Yimou é retomá-lo, sequer havia necessidade
de anunciar ao mundo que se trata de um remake. Carbono
de uma idéia mais do que de outros filmes, o material dos Coen
se dobra facilmente em outros materiais e pouco é capaz de sugerir
como referente.
O
cineasta chinês precisa muito aqui do referencial para seu joguete
estético com a obra ocidental, que pouco se sustenta diante da
fragilidade do material como ponto de referência. Goste-se ou
não de Gosto de Sangue, seu diferencial se encontra exclusivamente
na personalidade forte dos irmãos cineastas, muito distante da
deste esteta oficialesco em que se transformou ao longo dos anos
Zhang Yimou. Todo o ornamento do mundo pouco fará para injetar
vida num pastiche do pastiche. A imagem sobre a imagem sobre a
imagem resulta em pouco mais que um esboço fragilizado. Mais do
que em qualquer outro de seus filmes recentes, revela-se aqui
a falência do projeto de cinema de Zhang Yimou. A dura verdade
é que, a esta altura, a característica mais marcante do cineasta
chinês é ter se tornado um dos adeptos mais ferrenhos de uma estética
segundo a qual, se o orçamento suporta determinados recursos,
é melhor que eles apareçam na tela, independente do filme pedir
por eles ou de como acrescentam a impressão desconjuntada do resultado
final. Para obra de um esteta supostamente elegante como Zhang
Yimou, é impressionante o quão pobre este A Woman, A Gun and
a Noodle Shop se revela, completamente prisioneiro da camisa
de força que é o projeto como um todo e sua superestrutura.
Diante de uma imagem fragilizada, resta a Zhang
Yimou pouco mais que repetir a mecânica engenhosa do jogo de espelhos
e traições dos Coen. Quase como uma lista de pontos sem vida
que cineasta precisa ultrapassar. Se o cineasta em Yimou desejava
um exercício de transposição ocidente-oriente – o produtor Yimou
parece mais interessado em dar sequencia as suas afirmações da
soberania da produção chinesa – ele fica muito atrás, por exemplo,
de Miracles, filme que Jackie Chan, para ficarmos em outro
cineasta chinês, fez, sem nenhuma pompa, a partir de Dama por
um Dia, de Frank Capra. A verdade é que A Woman, A Gun
and a Noodle Shop está tão distante das adaptações ocidentais
de um Akira Kurosawa, como os irmão Coen estão da escrita de Dashiell
Hammett.
Setembro
de 2010
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