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Desliguem os celulares, por favor...
por Diego Assunção


“Those Awful Hats”, de D.W. Griffith (EUA, 1909)

O filme em cartaz muitas vezes parece ser o que menos motiva o espectador comum de multiplex a enfrentar uma sala de cinema. Às vezes o cinema serve para matar o tempo enquanto a esposa faz compras, ou para fazer a digestão após uma alimentação mortífera de “fast food”. As imagens projetadas parecem úteis para iluminar o fundo do balde de pipocas, enfim, o filme é tão inútil que para um espectador se portar como tal, em uma sessão de cinema, é necessário que as redes exibidoras passem antes das sessões um vídeo de orientação, que pede ao público que desligue os celulares e que se precisarem conversar, que conversem baixo.

Em 1909, nos primórdios do cinema, David Wark Griffith (acima na foto) realizou um curtíssimo filme de aproximadamente três minutos, chamado Those Awful Hats. Muito antes de Peter Bogdanovich filmar a última sessão de cinema, Griffith estirou um tripé na entrada de uma sala de cinema e fez sua profecia, com uma encenação amalucada.

O pianista faz o acompanhamento sonoro das imagens, o público compartilha a visão do filme até a chegada de um senhor de bigodes pontiagudos e uma mulher com um carnavalesco chapéu. Ambos perturbam a paz do lugar e abrem caminho para a entrada de mais uma meia dúzia de mulheres, que vestem chapéus que mais parecem vasos de plantas. As mulheres se sentam na primeira fileira e o caos se estabelece. Um acalentador gancho surge dos céus para fazer justiça, ao retirar o chapéu de uma das mulheres. Outras, com medo de serem atacadas pelo gancho, retiram os chapéus. Apenas uma mulher resiste no alto de sua petulância, e o gancho a leva por inteiro. O resto dos espectadores aplaudem com entusiasmo o desenlace. O curta acaba com uma recomendação: “LADIES WILL PLEASE REMOVE THEIR HATS”.

A fábula cômica de Griffith fora realizada como “anúncio”, e tinha o mesmo intuito das orientações sobre celulares que se vê hoje. O diferencial é que, em 1909, esse anúncio era carregado de um exagero, característico do gênero cômico; hoje ele está mais para um documentário, atual e aterrorizante – se, em 1909, o trecho do curta no qual uma donzela desfila pelo corredor da sala, com seu chapéu imenso e de nariz empinado parecia funcionar como “gag” do gênero, hoje é simplesmente a transcrição nua e crua da entrada de alguma madame com suas sacolas de compras numa sala de cinema.

Tão atual que as redes de exibição deveriam adotar o curta antes das sessões, alterando apenas a recomendação do final, trocar os chapéus por celulares. Mack Sennett gesticulando num terno quadriculado é absolutamente mais fascinante do que qualquer vinheta burocrática que se vê por aí.


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