O Advogado do Terror (L'avocat de
la terreur),
de Barbet Schroeder (França, 2007)
por
Fabio Diaz Camarneiro
Filme-tribunal
O Advogado do Terror é
um retrato
de Jacques Vergès, que
participou ativamente
do processo de independência
da Argélia, no início
dos anos 1960, defendendo
alguns ativistas
condenados à pena de morte.
O que Vergès percebeu,
salvando a vida dos ativistas,
é que uma causa
não se ganha
apenas dentro
do tribunal. Ao mobilizar
a opinião pública
internacional, Vergès
conseguiu comutar a pena
marcial e se tornou figura
de destaque do movimento
anticolonialista da Argélia. Mais
tarde em
sua carreira,
Vergès teve todo tipo
de cliente: de ativistas
palestinos a Carlos, o
Chacal. Do ex-oficial
nazista Klaus Barbie, conhecido
como “o açougueiro
de Lyon”, a Slobodan Milosevic. Para
completar, Vergès teria ligações
com François Genoud, simpatizante
do nazismo e financiador
de ações terroristas.
Como descrever
personagem tão
complexo? Aparentemente,
Barbet Schroeder parte
para uma construção
mais tradicional. Trata-se
de um filme
de entrevistas, geralmente
em plano
próximo, as chamadas
talking heads, complementadas por
algumas imagens de arquivo,
que ilustram os depoimentos.
A primeira impressão
é de um filme
“burocrático”. Mas
talvez Schroeder esteja
apenas tentando se aproximar
do universo de seu
personagem: o tribunal.
Afinal, o que vemos em
O Advogado do Terror: entrevistas ou
depoimentos? A questão
pode parecer meramente
formal, não
fosse “depoimento” uma
palavra emprestada do
direito.
Talvez
Vergès seja um “acusado”
dentro do filme-tribunal
de Schroeder. O próprio cartaz
de divulgação reforça
a idéia de um
réu: Vergès de pé,
o corpo ereto,
o pescoço aparentemente
preso em
uma gola alta,
tudo denotando imobilidade
e aprisionamento. Em meio
às sombras atrás
dele, grades. O rosto
duro, com
a expressão fixa,
questiona o espectador.
A expressão é sisuda,
como se algo
o irritasse. As mãos colocadas
à frente, como
se oferecidas para imaginárias algemas.
Os punhos fechados, como
se preparados para
um soco.
Os tais
punhos cerrados
vêm de muito cedo,
quando Vergès percebeu
que o tribunal
é uma espécie de espetáculo:
um palanque
(ou um
ringue de boxe),
onde o advogado
pode exercer a verve
que sempre
fez parte da profissão,
mas que
parece distante de uma
visão mais
contemporânea (ou
seria burocrática?) da
advocacia. A tribuna
também é o palco
onde Vergès sempre
escapa de um
roteiro previsível para
roubar a cena,
angariando a atenção para
sua causa
e para seus
clientes. É mais
um ator
que um
agente burocrático.
Vergès sabe que, no jogo
do espetáculo, talvez
o único “crime”
seja o desinteressante, o enfadonho;
todo o resto
é passível de perdão.
Schroeder ouve seus entrevistados/depoentes
com a atenção
de um juiz,
mas sem
chegar a um
veredicto. O público fica
convidado a participar
como júri
e decidir por
si só
quem é Jacques Vergès.
Apesar
de não faltarem elementos
para uma “acusação”,
é Vergès que domina o
filme: sua
retórica é contagiante.
A fala rápida,
pontuada por pausas
dramáticas, um charuto
na ponta dos dedos,
o olhar sempre
atento, encarando o entrevistador
com seus
olhos apertados.
Trata-se, não há dúvida,
de um grande
ator. A conclusão
possível oscila entre
um homem
bem-sucedido, talvez
um alto
executivo, e uma espécie
de monge budista,
com a expressão
sempre controlada, um
ar de superioridade
que alguns
chamarão de arrogância. Na verdade,
Vergès sabe controlar como
poucos sua
imagem pública.
Pode envolver com
suas palavras,
mas talvez
seja apenas um
grande mentiroso:
daí seu fascínio
e seu terror.
Para piorar,
a verdade pode não
estar em
lugar algum.
Vergès é um
liquidificador de ideologias:
antes associado
com a esquerda
e a liberdade, se aproxima
de figuras da direita
e da violência. Ele
prova que
a História (com
letra maiúscula)
é um jogo
de narrativas, um
teatro. Mas
talvez as afinidades
entre documentarista
e personagem sejam ainda
mais secretas, mais
emotivas: se Vergès nasceu na Tailândia, Schroeder nasceu no Irã.
Mesmo assim,
franceses. E, apesar de
franceses, estrangeiros.
Para pontuar
o espetáculo de Vergès, Schroeder
usa uma trilha
sonora de tons
graves, que
aumenta a sensação
de suspense e tensão.
Além disso, o tema
do terrorismo colabora
para um
filme “pesado”, o que
não acontece justamente
pela “leveza”
e pelo humor
de Vergès. Desse embate (o “peso”
da biografia versus
a “leveza” da pessoa),
O Advogado do Terror tira
grande parte
de sua força
cinematográfica. O filme
de Schroeder não chega
a um veredicto porque
pratica essa “alternância”:
um olhar
às vezes simpático,
depois desconfiado.
Às vezes cúmplice,
depois persecutório. (E
poderíamos dizer, às vezes
francês, depois
estrangeiro.) O Advogado
do Terror serve, em
um nível
mais simples,
para alargar
nossa visão
sobre as narrativas
que nos
cercam sobre o terrorismo,
a política, a justiça.
Afinal, não
se trata de condenar
ou inocentar
Vergès, mas de aprender
a olhar o mundo
em sua
complexidade.
Julho de 2008
editoria@revistacinetica.com.br
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