ensaios
Attenberg, de Athina Rachel Tsangari (Grécia, 2010)
por
Filipe Furtado
Geologia de um zoológico
Attenberg
abre com Marina (Ariane Labed) recebendo uma aula de como beijar
da sua melhor amiga. Pouco importa que ela tenha cerca de 20 anos:
Marina nunca beijou ninguém antes e está curiosa
pela experiência. É uma perfeita apresentação:
muito bem imaginada e envolvente, que aponta bem claro o estranho
equilíbrio que Athina Rachel Tsangari busca em seu filme
e sua protagonista, cujo olhar é muito mais inocente do
que sua aparência, sem poder sugerir jamais um olhar simplesmente
infantilizado. Essa dualidade se reflete nas duas pontas narrativas
que o filme desenvolve com Marina, precisando se despedir do pai
doente e tendo seu primeiro romance com um viajante de passagem
pelo local.
O título do filme vem do zoólogo cujos filmes de
observação de animais o pai de Marina gosta de assistir
(um dos hobbies dos dois é justamente imitá-los
depois), e Attenberg como um todo é ele próprio
uma espécie de filme sobre o comportamento de animais,
uma espécie de observação social parte Chabrol,
parte Haneke, com uma narrativa de filme adolescente. Um dos seus
grandes méritos é justamente a quantidade de boas
soluções que Tsangari vai aos poucos desenvolvendo,
começando pelo ritmo musical que é logo estabelecido
– e pensamos aqui menos nos interlúdios estilizados
entre Marina e sua amiga, e mais na montagem que encontra o tom
certo para administrar os muitos elementos díspares e estilizar
o filme, sem com isso perder a precisão do seu olhar. Há
muitas excelentes soluções de encenação
como na já mencionada seqüência de abertura,
ou, numa chave mais seca, em toda a subtrama em que Marina procura
informações para cremar o pai (um problema sério
num país de população quase inteira ortodoxa
e onde cremar um corpo é tão ilegal quanto possível
num estado laico).
É
este olhar apurado que se destaca nos dois elementos mais fortes
do filme: a forma como Attenberg delineia a relação
filha/pai, com tudo que ela tem de afetuosa e muito complicada;
e, de pano de fundo, a forma como aos poucos costura suas relações
com a cidade industrial decadente em que a ação
se passa. A razão de ser de Attenberg está
ali, nestas ruas que Marina atravessa, nas construções
cada vez mais abandonadas do local. Há uma visível
influência de Deserto Vermelho, de Michelangelo
Antonioni, no uso deste lugar. Attenberg vai aos poucos
virando um estudo de como este lugar e este pai, eminentemente
ligados (e agonizantes), ajudaram a formar o autismo social de
Marina. Apesar de fascinado pela idéia do comportamento
humano que regride até o animal, Attenberg pensa
no zoológico que serve de habitat para seus personagens
tanto quanto ou mais do que neles próprios.
Com todas as suas soluções muito bem imaginadas,
Tsangari não deixa de realizar um filme muito irregular,
onde a cada duas seqüências fortes temos outra em que
pesa a mão neste drama como alegoria, na regressão
de seus personagens ou no comportamento excessivo da sua protagonista.
Boa parte da outra subtrama, com o engenheiro de passagem, pelo
local sofre destes problemas. Seria fácil debitá-los
a Yorgos Lanthimos, diretor de Dentes Caninos, que interpreta
o engenheiro e também é produtor do filme, mas se
a sua influência é visível (por todo o filme,
vale dizer), em muitas outras áreas Attenberg
se distancia muito do seu longa. O maior problema desta outra
metade do filme é que, enquanto Marina, seu pai e sua amiga
são muito bem pensados, a concepção do engenheiro
é tão vaga, tão pouco mais que um conceito
que suas seqüências não escondem o que elas
têm de excessivamente construídas, sendo pouco mais
que uma função para que determinados pontos sejam
expressos. Nestes momentos, todo o cuidadoso equilíbrio
de Attenberg se desfaz e ficamos com o zoológico
de Tsangari no que ele tem de menos atrativo.
Outubro de 2011
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