Atividade Paranormal (Paranormal
Activity), de Oren Peli (EUA, 2009) por Francis
Vogner dos Reis Fear
of the dark O dispositivo não é novo, e já vimos
no A Bruxa de Blair: uma câmera digital
“testemunha” estranhos e sobrenaturais eventos. A tensão se faz, sobretudo, porque
o dispositivo do filme é a câmera digital e registra esses eventos sobrenaturais
com acentuado efeito de realidade. Só que em Atividade
Paranormal, a câmera registra os eventos sobrenaturais que acontecem à noite
e que os personagens não podem ver porque estão dormindo. A câmera como capacidade
de revelar o que as circunstâncias (não a realidade) tornam oculto. É
um mesmo uso que vemos em uma série de eventos contemporâneos, das câmeras de
circuito interno que registram crimes a tira-teimas de jogos de futebol. Mas aí
são eventos, tornados fenômenos pelas câmeras presentes. Da semelhança da potência/limitação
do suporte técnico podemos tirar alguma coisa, talvez alguns enunciados teóricos.
Por isso, da semelhança é preciso fazer uma distinção: Atividade Paranormal é
um filme de horror (de assombração, especificamente), que menos sublinha uma excitação
contemporânea pelo “efeito de realidade” do que retoma, por meios diferentes,
a fascinação sado-masoquista de testemunhar um jogo que causa excitação pelo que
não se vê e pavor pelos poucos vestígios e evidências disso. É interessante como,
disfarçado de documentário caseiro, vemos a construção de personagens-convenção
de filme de horror: a garota perturbada por um espírito desde pequena, o paranormal
que abandona o caso porque não segura a bucha, o herói destemido demais (e, por
isso mesmo, burro), a decifração do enigma que traz consigo o determinismo da
tragédia, etc. O filme foi feito para torturar o público
e isso faz parte do jogo. Nisso o diretor de nome esquisito Oren Peli manda bem.
As cenas mais tensas são as que acontecem no meio da madrugada com a câmera que
filma o casal dormindo fixa no tripé. A cama deles, ao lado de uma porta sempre
aberta que dá para o breu do corredor, já causa pavor só por essa idéia básica:
a porta aberta que dá para o resto da casa que está na escuridão. Os barulhos
(passos, zumbidos) sempre vêm de fora pra dentro, ou seja, do escuro para o nightshot
da câmera. A garota, quando some em transe no
meio da madrugada, adentra a escuridão da casa, fora do alcance da câmera. É justamente
o que está (ou o que não está) nessa escuridão, atrás dessas paredes, que fascina
e causa o horror (e, para os desinteressados, a indiferença). Tudo em Atividade
Paranormal vem dessa profundidade escura além da porta. Não por acaso, a cena
mais assustadora (quem ainda não viu o filme, não leia o restante do texto) mostra
a garota sendo arrastada por um invisível ser para o fundo do corredor escuro
além da porta. O filme, portanto, se faz em torno da relação com o espectador
e do medo natural (e primitivo) do escuro: do alçapão da razão e da impossibilidade
intelectual de mediar os acontecimentos que se vê e se ouve, acontecimentos a
que temos acesso – quase sempre – parcialmente. A relação que o filme propõe é
de crise, e a graça do jogo está na clareza dos artifícios que, ao mesmo tempo,
são discretos e nos dão a ver somente o que (segundo a própria lógica do filme)
é passível de ser visto. O erro crasso em que cai Atividade Paranormal no
seu catártico, desajeitado e boçal desfecho é o de acreditar que, além de propor
um jogo ao espectador, o filme necessariamente tem de revelar o que até então
estava velado. Um auto-boicote: a câmera que até então, na sua imobilidade e limitação
(quando em movimento), capturava parcialmente os acontecimentos – daí o horror
– traz a iluminadora revelação por meio de um desfecho bastante sensacionalista.
Segundo consta, esse foi o final exigido pela distribuidora major (Paramount)
ao comprar o filme. Além de destoar do resto do filme, colocar um final desses
é desacreditar no jogo que Atividade
Paranormal estabeleceu com o espectador
até então, como se tudo tivesse existido em função dessa cena brucutu, que nos
revela o segredo atrás da porta. Grande merda. Dezembro
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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